Numa altura em que o Ensino em Portugal está em convulsão permanente, com o Governo a ser criticado por toda a gente, sinto que devo ser justo e reconhecer ao Partido Socialista o papel que, ao longo dos últimos anos, teve e continua a ter na nobre missão que é a educação de adultos.

O melhor exemplo desse melhoramento de competências é Augusto Santos Silva. Veja-se o impacto que os estudos tiveram no Presidente da Assembleia da República. Em 2009, Santos Silva dizia-se “indignado com esta campanha negra!”, denunciava “uma cabala” servida “numa lógica de arrastar para a lama o nome de uma pessoa em pequenas tranches”, e jurava estar “em curso uma tentativa de assassinato político e moral de José Sócrates”. Parecia o comensal de um snack bar.

Já em 2023, exprime-se assim. “Devemos combater os outros pelas ideias e não pela lógica de descobrirmos roupa suja uns dos outros. Isso é muito pouco higiénico e respeitador (…). Somos solicitados pela extrema-direita não sobre causas, mas sobre pessoas, não sobre políticas, mas sobre moralidades, não sobre o que fazemos, mas sim pelo que somos, o que são os nossos familiares e o que fizeram há 30 anos. Esse debate enlameia-nos a todos”. Um príncipe.

Repararam? A diferença não é subtil. O conteúdo da mensagem mantém-se: não aborreçam o Partido Socialista investigando a vigarice de alguns dos seus dirigentes. Só que, em 14 anos, Santos Silva passou de termos abrutalhados como “lama”, “cabala”, “campanha negra” e “assassinato político”, para a utilização de linguagem mais cuidada, como “devemos combater ideias e não roupa suja”. Faz muita diferença. Parece uma criança que aprendeu agora a usar o “se faz favor”. Em 2009, Augusto Santos Silva não queria que se falasse sobre o que Sócrates andara a fazer, agora deseja que não se comentem os pecadilhos de insignes militantes socialistas, da contratação de Joaquim Morão por Fernando Medina, às tropelias de Miguel Alves, passando pela secretária de Estado com contas arrestadas e pela mentira de Pedro Nuno Santos. O objectivo de encobrimento é o mesmo, a má vontade em relação ao jornalismo que vasculha também, só que agora Santos Silva socorre-se de palavras com mais sílabas. O tempo trouxe respeitabilidade, com a oportunidade de usar palavras como “respeitabilidade”.

Existem pessoas que não gostam de spoilers. Não querem que lhes contem o fim da história, gostam de ser elas a descobrir. Percebo essas pessoas. Mas Augusto Santos Silva é diferente: quer evitar spoilers, mas não é só para si, é para toda a gente. Que mais ninguém saiba como acaba a história, principalmente se a história envolver um ajuste directo manhoso ou uma entrega de dinheiro pedida em código.

Sou um grande admirador destes contos de melhoramento pessoal de que Santos Silva se tornou o modelo. Faz lembrar o filme Pretty Woman, protagonizado por Julia Roberts e Richard Gere. Na fita, passada em Los Angels, Roberts é uma prostituta de rua que Gere contrata para lhe fazer companhia. Instala-se no quarto dele, num hotel de luxo e, aos poucos, com a ajuda do concierge e do dinheiro do cliente, vai-se tornando numa mulher cada vez mais sofisticada. A evolução culmina numa cena que se tornou clássica: depois de, ainda vestida com a descontração típica da profissão, ter sido barrada numa loja chique de Rodeo Drive, Roberts regressa, já toda coquete, sem mascar pastilha e a enunciar bem as palavras, para mostrar à lojista que agora é ela que não deseja ali gastar dinheiro. O espectador sente-se desforrado pelo desfecho. Julia Roberts continua a ser uma meretriz, mas evoluiu e já consegue disfarçar. É como Santos Silva: continua um caceteiro partidário mais preocupado em defender os seus correligionários do PS do que o país, mas agora tem um verniz que lhe confere um ar mais respeitável.

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