O Reino Unido. Monarcas, grandes líderes, guerras e batalhas, autores, filósofos, músicos e artistas, o maior império de sempre e quase mil anos de tradição. Foi o primeiro e único país a sair da União Europeia, circula uma moeda que mais ninguém usa, guia-se do lado esquerdo e ainda tem o seu próprio tipo de tomada elétrica. Os britânicos não conseguem ter êxito nos seus próprios desportos, adoram jardins, animais e chá, e parece que, dia 4 de julho, são chamados mais uma vez às urnas.

O cenário político no Reino Unido é de uma enorme desconfiança. Nos últimos oito anos, o país viu cinco primeiros-ministros diferentes, algo de inédito na sua democracia, e é quase certo que em julho seja eleito o sexto.

Com o resultado do referendo do Brexit, demitiu-se David Cameron, sucedendo Theresa May, que em 2017 ganhou as eleições gerais sem maioria. Derrotada pelo fardo de executar o Brexit, May sai em 2019, subindo ao cargo Boris Johnson, que nesse mesmo ano, recupera uma maioria absoluta, a maior desde Thatcher em 1987. Abalado pela pandemia, o Reino Unido viu em 2022 a demissão de um Johnson envolto em escândalos, introduzindo-se Liz Truss, que não durou mais do que 50 dias. No meio de todo este tumulto surge Rishi Sunak, o antigo Chanceler do Tesouro, que desde outubro de 2022 tem batalhado para tentar redinamizar uma débil nação.

As tendências e os temas debatidos são os mesmos que em muitos países europeus. Discutem-se as políticas fiscais, o resgate dos serviços públicos e do serviço nacional de saúde, a inflação, a imigração e as crises de habitação e de energia. E a tendência, como sabemos, é de polarização. A população vai perdendo esperança nos partidos mais moderados e institucionais, o Partido Conservador e o Partido Trabalhista, que estão no poder há muito tempo, dando espaço às forças mais extremistas. Existe, em particular, a amplificação da voz e da influência da direita “populista” (conceito de que tanto ouvimos falar nos dias de hoje) de Nigel Farage e do seu partido Reform UK.

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O Reino Unido encontra-se perante um contexto muito negativo e umas eleições históricas. Pelo estado fragilizado do país, pelo ceticismo que existe acerca de quem governou, quem governa e quem governará, e porque não haverá nenhum vencedor, apenas um Partido Conservador vencido e possivelmente humilhado.

As sondagens mais recentes da BBC dão 41% ao Partido Trabalhista de Sir Keir Starmer, 21% aos Conservadores e 16% ao Reform UK, um resultado trágico para Rishi Sunak. Estas eleições veem uma população britânica que não está a votar para um novo governo, mas sim para tirar de lá o atual. Acredito que grande parte dos votos nos Trabalhistas não é ideológico; o programa do partido consiste em reformas económicas e sociais, reforçando a ideia de mudança. Mesmo com as muitas críticas de Sunak à ausência de um plano pragmático de Starmer para governar, não parece haver esperança para os Tories.

É importante notar que o sistema eleitoral britânico é um de “first-past-the-post”: a população não elege diretamente um primeiro-ministro, mas sim um membro representante de cada um dos 650 círculos eleitorais, vencendo o candidato local que tiver o maior número de votos. O partido que eleger o maior número de candidatos é desta forma convidado pelo monarca a formar governo.

Assim, a presença desestabilizadora de Nigel Farage tornar-se-á fatal para Sunak. É inevitável que o Reform UK roube votos à direita. Podem não ser muitos, mas serão o suficiente para garantir que muitos dos candidatos Conservadores não sejam eleitos.

Ainda que se assemelhe aos outros líderes da direita europeia, é de se reforçar que Farage destaca-se, não só pela sua inteligência e eloquência, mas pela sua extensa reputação política. Foi membro fundador da UK Independence Party em 1993, que sob a sua liderança ainda teve 24 lugares no parlamento, foi eurodeputado de 1999 a 2014, onde teve muita influência, e a sua maior conquista, conseguiu convencer, quase sozinho, 52% do Reino Unido a sair da União Europeia. Ao longo dos últimos 21 anos, foi lhe rejeitado um lugar em Westminster sete vezes em seis círculos diferentes. Mas isto não afeta de forma nenhuma a confiança de Farage, nem o seu fiel eleitorado. Tem puxado há anos pelo tema da imigração como também pela ineficácia dos Conservadores e dos Trabalhistas.

O colunista do Wall Street Journal, Joseph C. Sternberg, num artigo intitulado “We Know Who’ll Win the UK Election, but Why?”, descreve também a situação política da Grã-Bretanha. Evidencia o facto de o Partido Conservador estar no poder há 14 anos: “That’s too long in a democracy. The Tories have exhausted their talent and whatever ideas they brought in when David Cameron first became prime minister in 2010.”, explica Sternberg.

É o início de um novo ciclo. Os Conservadores já estiveram tempo o suficiente, o país está a precisar de mudança e, a partir de julho, será o Sir Keir Starmer e o seu futuro governo a proporcioná-la. Os líderes estão se a deslocar pelo país em campanha, os programas mais relevantes já foram todos apresentados e os debates concluem-se na próxima semana. Falta apenas o resultado para assinalar o começo de uma nova era no Reino Unido, seguramente marcada por incerteza, considerando tanto as questões domésticas como a atual instabilidade geopolítica.

As condições são pouco favoráveis a Sunak: as consequências do Brexit, a pandemia, a insegurança internacional e ainda o desgaste democrático. Em termos de lugares no parlamento, a última projeção da YouGov prevê 425 candidatos eleitos para os Trabalhistas e 108 para os Conservadores. O número mais baixo de lugares na história do Partido Conservador (que tem 190 anos). É pouco provável, mas nunca impossível, que consiga resgatar um resultado suficientemente forte para fazer oposição a Starmer. Por enquanto uma coisa é certa: a prioridade é o regresso de um próspero Reino Unido.