Há pessoas assim, que parece que têm um íman. Não daqueles de colar no frigorífico no amontoado das recordações de viagens, mas antes pela atractividade da sua beleza física. Quando Mariana [nome fictício] entrou no meu consultório pela primeira vez, quase que não consegui desviar o olhar do seu rosto durante os primeiros instantes. Julgo que nunca tinha estado frente a frente com uma jovem tão bonita… ainda que a beleza de alguém seja muito discutível, porque dependente do conceito de estética de cada um. A face de Mariana emanava no seu conjunto harmonia, equilíbrio e proporcionalidade emoldurada pelo cabelo, alinhado, de um castanho claro brilhante até aos ombros e os seus olhos grandes de um azul intenso e o seu sorriso largo procuravam-me. Não era alta nem baixa, nem magra nem gorda, de tez moderadamente bronzeada, mãos com unhas curtas impecavelmente tratadas e casualmente vestida movia-se com graciosidade, expressando-se de forma viva e eloquente sem sinais de altivez ou presunção.

Em que posso ajudá-la, Mariana? – perguntei eu mal consegui desbloquear daquele efeito quase hipnótico de fracções de segundos que me pareceram uns embaraçosos minutos de silêncio. Responde-me que tinha vergonha de dizer mas que estava decidida a fazê-lo porque já não aguentava mais o sofrimento de pensar obstinadamente no mesmo e de não conseguir aceitar o que tinha descoberto recentemente: uma pequena mancha no interior do seu braço esquerdo. Num estado de nervosismo crescente, refere-me que depois de pesquisar metódica e intensamente na internet consultou um médico especialista e que também já havia procurado uma segunda opinião. Todos lhe haviam dito que era algo absolutamente inconsequente e relativizaram a sua preocupação. Mariana sentia-se incompreendida e tão pouco se conseguia compreender neste seu desgosto com a sua imagem pessoal, mais… consigo mesma.

Em tempos de hipervalorização da imagem, neste nosso mundo selfie, não consigo resistir a evocar aqui o poema de Carlos Drummond de Andrade “As contradições do corpo” que explora o confronto entre a essência e a aparência, a tensão entre interior e exterior. A forma como cada um se vê quando se olha ao espelho está intimamente relacionada com algumas normas e valores da sociedade em que nos inserimos e é nesta e na cultura que aprendemos a ser. O conceito de autoestima envolve uma avaliação subjectiva que uma pessoa faz de si mesma e que poderá ser positiva ou negativa, englobando crenças acerca de si (“Sou competente”, “Tenho valor”) assim como estados emocionais como orgulho, desespero ou vergonha. É considerado um importante indicador de saúde mental e está também relacionada com a autoconfiança. A menor consciência do verdadeiro potencial de cada um pode levar a um desequilíbrio entre o que se é (real) e o que se gostaria de ser (ideal), levando a viver-se em contradição, fingindo ser-se o que se gostaria e não assumindo a verdadeira identidade.

A Mariana parecia-me com uma auto-estima frágil e dependente de determinadas condições particulares, reflectida no seu desânimo, nos sentimentos de inferioridade, de incapacidade e de tristeza num crescendo de ansiedade, afectando o seu dia-a-dia e quase indiferente ao como os outros a vêm (deslumbrante, maravilhosa, bonita…). Por mais que todos os espelhos onde se reflectisse lhe devolvessem uma imagem de perfeição ela simplesmente não o conseguia ver… Quanto maior a nossa autoestima, mais capazes de lidar com as adversidades da vida, mais criativos seremos no trabalho, mais ambiciosos tenderemos a ser, maiores as possibilidades de mantermos relações saudáveis, mais tolerantes seremos com os outros, mais satisfeitos connosco próprios… sem filtros.

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR