Greta é um nome lendário que o mundo inteiro reconhece e aprecia. Primeiro, pela mítica Greta Garbo, mas agora também pela prodigiosa Greta Thunberg, a jovem ativista que saltou para as primeiras páginas dos jornais nos últimos meses, quando começou a fazer greve à escola todas sextas-feiras. Greta trocou os bancos das aulas pelo passeio da rua, em frente do Parlamento sueco, onde se senta sozinha um dia por semana, como forma de protesto contra as políticas ambientais.

Greta Thunberg começou por chamar as atenções do mundo por ter apenas 16 anos e ar de criança. Usa duas tranças muito compridas e parece ter sido sempre naturalmente calma, mas teve uma depressão aos 11 anos, provocada pela sua visão negra de um mundo a caminhar para o abismo em matéria de ecologia. “Para quê estudar? Para quê pensar no futuro? Qual futuro? Ninguém está a fazer nada para melhorar a vida no Planeta e tornar o futuro possível!” Greta sentiu-se colapsar e afundou numa depressão quando percebeu que do ponto de vista ambiental o mundo inteiro também ameaçava colapsar. Achou que não valia a pena viver, mas assume que antes de ser uma ativista radical também foi uma climate denier.

Há uns anos foi-lhe diagnosticado Asperger, síndrome sobre o qual ela própria fala com incrível naturalidade. “Asperger is a gift” confessou recentemente à jornalista Leslie Hook, do Financial Times. “Vejo as coisas de forma diferente dos outros e, por isso, também as consigo pôr em perspetivas diferentes. Vejo o mundo a ‘preto e branco’, mas se eu fosse normal, continuava a ser normal e a agir como os outros”.

A sua lógica ‘preto e branco’ ajudou-a a superar o desespero perante a degradação acelerada do ambiente. Deixou de sentir que não valia a pena viver para se posicionar no extremo oposto: fazer tudo o que está ao seu alcance para salvar o Planeta! Ter uma causa salvou a sua vida, mas pode ter salvo a vida a muitos outros e está a contribuir para resgatar a consciência ambiental mundial.

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Greta lê e estuda compulsivamente. Adquiriu conhecimentos torrenciais sobre ecologia e sabe tudo sobre os gráficos da Keeling Curve (que mostram de forma eloquente as alterações de concentração de dióxido de carbono na atmosfera desde 1958) ou o Albedo Effect (que tem a ver com o efeito da radiação solar em diferentes superfícies), para dar apenas dois exemplos. Este interesse e a sua invulgar (patológica?!) capacidade de focar num tema único permitiu-lhe curar a depressão e acrescentar um valor incomensurável à sociedade. Começou por ser um fenómeno nacional, na Suécia, mas rapidamente a sua fama se tornou global.

Está há 26 semanas em greve escolar e falta à escola todas as sextas-feiras. Mesmo nas férias académicas Greta vai para a porta do Parlamento sueco e já é seguida por legiões de estudantes internacionais que se querem posicionar e chamar a atenção dos governos dos seus países. “Vou lutar todos os dias até que alguma coisa aconteça. Todos os dias da minha vida!”. O que Greta quer que aconteça é uma mudança radical de comportamentos e políticas. Não se trata apenas de transformar mentalidades e adotar novas atitudes, tem a ver com medidas certas e certeiras que evitem o pior. “Temos que mudar quase tudo! E só temos 11 anos até certas coisas se tornarem irreversíveis!”

António Guterres recebeu pessoalmente Greta Thunberg quando foi o anfitrião da COP24 Katowice, a conferência sobre alterações climáticas (Polónia 2018), promovida pelas Nações Unidas. Imperturbável, Greta deixou-se fotografar com Guterres, assim como também assumiu o protagonismo e se deixou fotografar e filmar numa das maiores marchas de protesto ambiental em Helsínquia, na Finlândia. A sua pose nunca muda, seja quando os grandes líderes e os maiores gestores do mundo se reúnem em Davos, para a ouvir, seja numa TED talk com audiências à escala universal, Greta usa o seu tempo de antena e todos os palcos que lhe são dados para um apelo único, sempre muito coerente e muito consistente que termina muitas vezes numa espécie de desabafo: “os adultos continuam a dizer que devem às novas gerações um mundo melhor e os políticos gostam de nos dar esperança, mas nós não queremos esperança, nem queremos que eles tenham esperança! Nós queremos que todos tenham pânico!”

Greta fala sempre devagar, sem se exaltar, mas o tom que usa revela uma vaga zanga. Muito incisiva e extraordinariamente clara, jamais fica sem resposta e é a primeira a corrigir os que, ao seu lado, se enganam ou hesitam. Aconteceu com o próprio pai, quando este tropeçou num trocadilho final, numa entrevista de televisão onde estiveram juntos. “Practice as you preach!” esclareceu Greta, com um gesto compassivo, mas firme, relativamente ao pai. Corrigiu-o para sublinhar a coerência entre pensamento e ação.

Agora que Greta deixou de ser a rapariga autista, invisível, que ninguém via nem ouvia, e se tornou uma ativista internacional ambiental, muitos se juntam a ela e outros tantos levantam questões. Estará a ser usada por grupos extremistas? E os pais, quem são e o que fazem? Protegem-na ou deixam-na a falar sozinha em palcos com audiências globais? A tudo isto a própria Greta e os pais respondem com uma naturalidade impressionante, sem o menor sinal de irritação. Aliás, ver Svante, o pai, e Greta, a filha, lado a lado em programas de televisão e conferências internacionais faz lembrar Malala e o pai. Outra ativista e outro pai que fazem a diferença no mundo.

Malena Ernman, a mãe, era até 2016 uma cantora lírica de sucesso, ano em que decidiu suspender a sua carreira internacional, aparentemente brilhante, para acompanhar a filha. Tomou a decisão na sequência da depressão de Greta e declarou que quer ser uma ‘buddy’ no novo rumo que a vida da sua filha está a tomar. Svante, o pai, é ator e autor. Ambos têm duas filhas e, numa sucessão de gestos de coerência, ambos deixaram de viajar de avião e toda a família deixou de comer carne. Atualmente são vegan, mas a sua atitude ecológica vai mais longe e é diária pois têm uma preocupação constante com a saúde do Planeta.

Voltando a Greta, que é muito persistente e vai direta ao assunto, sem rodeios absolutamente nenhuns, tem sido um verdadeiro embaraço para certos políticos dentro e fora da Suécia. Nos primeiros meses de greve deixaram-na sentar-se no passeio, porque parecia inócua, mas quando a sua fama começou a ser viral e alastrou pelo mundo inteiro, as autoridades suecas alegaram questões de segurança e obrigaram-na a mudar de passeio.

Antes de Greta, muitos outros investigadores, cientistas, políticos, atores e figuras públicas conseguiram captar as atenções de todo o mundo com iniciativas ecológicas. De Al Gore a Leonardo diCaprio, passando por Jane Goodall, todos foram extraordinariamente convincentes e supostamente eficazes, mas Greta põe o dedo numa ferida cada dia mais aberta e exposta e consegue realmente chamar as atenções para factos tão gritantes como o pico de emissões de CO2 atingido no ano passado.

“Depois de décadas de negociações e políticas, as temperaturas continuam a aumentar e os recordes de emissões de carbono são dramaticamente ultrapassados. O Acordo de Paris (2016) não está a ser respeitado e restam-nos apenas 11 anos para reverter esta situação. 2020 é amanhã! A partir de 2030 muitas situações serão irreversíveis e a nossa geração não tem futuro. É preciso puxar o travão de emergência!”

Os pais de Greta acompanham-na para todo o lado e procuram evitar a todo o custo que ela fique exausta. Preocupam-se com a saúde do Planeta, mas também com a saúde da sua filha e tentam protegê-la da sobre-exposição mediática. Não sabemos até onde irá o efeito Greta Thunberg, mas sabemos que graças a ela, e à sua luta, as questões ambientais deixaram de ser uma abstração para muita gente das novas e velhas gerações.