O país abraçou um consenso nacional sob a forma de indignação contra Joe Berardo. A questão é que esse consenso cheira a podre: chegou com 10 anos de atraso e aconteceu por mero acaso – na sua audição parlamentar, o empresário não trouxe novidades de conteúdo, mas errou na forma e atropelou os limites da desfaçatez de tal modo que ascendeu a inimigo n.º1 do regime. E, mais importante ainda, a indignação falhou o alvo e esconde a parte maior do problema. Essa parte é que Joe Berardo só é o que é (e deve o que deve) porque houve quem na esfera do Estado o permitisse e até o promovesse em nome dos seus planos de poder. Sim, Berardo merece que a espada da justiça lhe caia em cima sem contemplações. Mas fazer de Berardo o vilão de um período negro da nossa vida colectiva (2006-2009) é esquecer que ele foi sobretudo o protagonista visível de um esquadrão de tomada de poder na sociedade portuguesa. Liderado por quem? É só seguir o trilho do dinheiro em três episódios.
Primeiro episódio: o assalto ao BCP. Joe Berardo é um grande devedor da Caixa Geral de Depósitos (CGD) – cerca de 400 milhões de euros, obtidos entre 2006 e 2007, contornando todas as regras e critérios de prudência definidos pela CGD (ou seja, com interferência superior). Obteve ainda mais 600 milhões de euros entre o BCP e o BES. Esse dinheiro foi utilizado para comprar acções do BCP (um negócio ruinoso) quando o banco vivia internamente uma guerra de poder entre o seu fundador (Jardim Gonçalves) e um grupo de accionistas (Berardo, Mexia, Nuno Vasconcelos da Ongoing, e Carlos Santos Ferreira líder da CGD à época, Armando Vara, entre outros). A operação foi um sucesso político (Jardim Gonçalves saiu do BCP, entrando Carlos Santos Ferreira e Armando Vara) e uma desgraça financeira, com a desvalorização acelerada do BCP. Em Novembro de 2008, Berardo entra em incumprimento mas nunca as garantias bancárias que deu foram executadas. O golpe tinha uma razão de ser, como explicou recentemente o próprio Jardim Gonçalves: “o primeiro-ministro [José Sócrates] e o ministro das Finanças [Fernando Teixeira dos Santos] precisavam de ter um controlo mais fino do sistema financeiro para fazerem a colocação da dívida pública; mandavam na CGD e o BES [Ricardo Salgado] era dócil e tomava a dívida pública e o BCP era independente”. Ou seja, Berardo integrou um golpe de controlo político do sistema bancário que escavou um gigantesco buraco de dívidas.
Segundo episódio: a derrota da OPA da SONAE à Portugal Telecom (PT). Em 2006, a SONAE lançou uma Oferta Pública de Aquisição sobre a PT. Nessa altura, Berardo adquiriu acções da PT e rapidamente se colocou do lado contrário ao da SONAE, opondo-se à venda da PT. Foi o rosto público da defesa desse lado, juntamente com Zeinal Bava e Henrique Granadeiro – assim como o BES de Ricardo Salgado, a CGD e a Ongoing de Nuno Vasconcelos. Foi o lado vencedor, mas a um preço: em troca da oposição à venda, Zeinal Bava distribuiu dividendos aos apoiantes e alinhou nas instrumentalizações políticas que, anos depois, viriam a destruir a empresa (fragilizada pela queda do BES e a perda dos empréstimos que havia feito ao banco de Ricardo Salgado). Felizmente para Berardo, o empresário vendeu as suas acções antes do descalabro – e com ganhos.
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