1Surpreendido pela notícia da morte da dr.ª Teodora Cardoso, presto a mais sentida homenagem à cidadã íntegra e corajosa, com um exemplar sentido de serviço público, à economista com excecionais dotes analíticos e independência de espírito, permanentemente interessada e atenta à produção de conhecimento e também à colega frontal, leal e construtiva, sempre disponível para analisar os ângulos mortos de uma dada problemática, que sabia conciliar o seu posicionamento com a colegialidade do processo de decisão e, em particular, com a necessidade de agir.

E, não menos importante, presto homenagem à amiga de mais de quarenta anos que manteve comigo uma relação intelectual assente na qualidade dos argumentos e no respeito mútuo, na melhor tradição anglo-saxónica.

A dra. Teodora Cardosa foi uma empreendedora que assumiu a responsabilidade de lançar uma nova instituição, o Conselho de Finanças Públicas, num ambiente de ceticismo e num enquadramento orçamental desafiante.

Mas também foi uma melómana e leitora compulsiva, que cultivava cuidadosamente estes jardins sem alarde e que surpreendia os amigos pela profundidade e extensão dos seus conhecimentos, demonstrando, na boa tradição de John Maynard Keynes, que os economistas não estão nem têm de estar circunscritos apenas à faceta económica.

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2 Os mais de quarenta anos de proximidade impõem-me que refira alguns factos, apenas uma mínima parte do que poderia ser destacado, que constituem outros tantos marcos da sua carreira:

  • A sua intervenção no primeiro e no segundo programa de ajustamento negociado com o FMI, em 1977/78 e em 1983/84, nomeadamente na execução do pilar da política monetária, através da fixação e do acompanhamento dos limites de crédito das instituições bancárias;
  • A forma como orientou o Departamento de Estudos do Banco de Portugal, primeiro como diretora e, depois, como administradora que tinha a seu cargo a supervisão da área, privilegiando a produção independente de conhecimentos com sólida fundamentação analítica, capacitação técnica e partilha com a comunidade académica e com a sociedade, em obediência ao princípio que a generalização do conhecimento económico e o entendimento das leis da economia são não só a melhor sustentação de boas políticas económicas como o melhor antídoto do discurso de facilidade, que conduz ao abismo e alimenta o populismo;
  • A forma como me acompanhou na análise da deriva económica e financeira que precedeu o pedido de apoio financeiro institucional, que aconteceu em abril de 2011, e nas negociações e execução do Programa de Assistência Económica e Financeira;
  • A forma como aderiu e se comprometeu com a proposta de criação de um Fiscal Council (futuro Conselho de Finanças Públicas) que eu próprio fiz em 4 de outubro de 2010 enquanto governador do Banco de Portugal, no Encontro Anual dos Governadores dos Bancos Centrais de Língua Portuguesa, superando o ceticismo da reação dos comentadores e dos agentes políticos;
  • E o trabalho de conceção do Conselho de Finanças Públicas que conjuntamente com os economistas do BdP — em particular o Professor Vítor Gaspar, que era então Conselheiro do Governador — e um grupo personalidades relevantes do meio académico;
  • A sua clarividência quanto ao enquadramento regulamentar do Conselho de Finanças Públicas, que foi dos primeiros a serem estabelecidos na União Europeia e que foi dos mais ousados na salvaguarda da sua independência, nomeadamente ao incluir dois especialistas estrangeiros, oriundos da União Europeia – clarividência que beneficiou muito do facto de o Professor Vítor Gaspar, que partilhava a nossa visão, ter sido, entretanto, nomeado ministro das Finanças;
  • A sua entrega ao projeto da construção e consolidação do Conselho de Finanças Públicas quando aceitou abdicar das funções de Administradora do BdP para assumir a Presidência do Conselho de Finanças Públicas, depois de termos constatado que a personalidade alternativa que tinha o perfil que procurávamos não estava disponível e que, por isso, tínhamos que optar pela minha primeira e melhor opção e, por consequência, pedir-lhe que aceitasse abdicar do lugar de Administradora do Banco de Portugal para assumir a Presidência do CFP;
  • A forma como construiu o Conselho de Administração do Conselho de Finanças Públicas, nomeadamente os nomes que sugeriu para a ocupação dos lugares reservados para peritos não nacionais, que tiveram um papel determinante na acreditação externa da instituição, e a forma como recrutou os seus técnicos;
  • A forma como aderiu a projetos de cooperação com o Banco de Portugal, nomeadamente à minha proposta de organização de um ciclo de seminários sobre a reforma da organização e gestão do sector público — ciclo designado por SEXTAS DA REFORMA — com o apoio ativo do Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Doutor Emílio Rui Vilar;
  • E como uma das últimas memórias, a forma como concordamos e conjugamos os nossos esforços no sentido de propor a presença da Teresa Ter-minasssian na administração do Conselho de Finanças Públicas, quando um dos seus membros chegava ao termo do seu mandato que não era renovável.

Estes factos são uma pequena parte de quarenta anos das minhas memórias da intervenção pública da drª Teodora Cardoso.

Para lá de todas as outras que conservo, com a maior admiração pelo seu percurso público, há muitas mais no círculo vasto de personalidades que beneficiaram da serena inteligência, da ponderação, da convicção, da capacidade de escuta e de análise da drª Teodora Cardoso.

E todas elas justificam que a homenageemos e, porque não, que a homenagem tenha natureza coletiva. A Drª Teodora Cardoso é credora da admiração e da recordação de todos aqueles que apostam num sobressalto cívico do país e na valorização dos exemplos cimeiros de serviço público.

Até sempre muito estimada Amiga.

R.I.P.