Lembram-se do érre gigante a piscar no ângulo superior esquerdo nas transmissões dos jogos de futebol nos anos 70/80? Vou recuperar a moda. Mil desculpas, mas vou repetir-me. Basqueiro? Barulho. Criquices? Coisas sem importância. Dala? Lava-loiça. Saraiva? Chuva gelada. Murrinha? Chuva miudinha. Sendeiro? Trapaceiro. Carcela? Braguilha. Côca? Tola, esquecida. Sostra? Pessoa sem presença de espírito. Escachado? Aberto. Lorpa? Pessoa pouca dinâmica, sem ambição. Trugalhona? Desastrada. Chaço? Máquina velha. Benda? Mercearia. Insensar? Atrapalhar. Borra-botas? Zé-ninguém. Tupenear? Adormecer. Encurricada? Dobrada. Broeiro? Rude. Brunir? Passar a ferro. Peteiro? Mealheiro. Fox? Lanterna. Telhudo? Teimoso. Tupenu? Toninhas. Arrebolar? Atirar para o ar. Berregar? Berrar muito. Estonar? Descascar. Pequice? Birra.

O érre gigante pisca-pisca e explode emoção. Pois claro, reabri o dicionário de minhotices e cá vai disto. É o dia ideal, a 27.ª jornada encerra hoje com dois jogos e quatro clubes minhotos: Vitória SC-Moreirense ao fim da tarde (19h00), Famalicão-Braga à noite (21h15). O Minho é quem mais ordena em 2019-20. É a 1.ª Divisão mais minhota de sempre, com cinco clubes. O elemento em falta é o Gil Vicente, promovido pela FPF directamente do CNS graças ao caso Mateus. De um momento para o outro, o Minho futebolístico deixa de ser só Braga e Guimarães. Esses dois andam sempre de braço dado com a polémica. Desde sempre e em qualquer situação, mesmo que seja um pormenor.

Como o Hotel da Falperra. O imóvel situa-se nos limites do concelho de Guimarães, o parque pertence a Braga. Diz-se que a separação faz-se na antiga cozinha. A igreja de Santa Maria Madalena, logo ali ao lado, convive com o mesmo problema. Os marcos seculares deixam as escadas do templo barroco para Braga; a Carta Militar de Portugal diz que só a sacristia é de Guimarães.

A Universidade do Minho, outro exemplo de rivalidade acérrima, está prevista para Caldas da Taipas, uma vila entre Braga e Guimarães. Mas o Governo concede, em 1976, a reitoria a Braga e os cursos de Engenharia a Guimarães. Dez anos depois, mais lenha para a fogueira a propósito do traje académico (os naturais de Guimarães recusam usar as bermudas e o tricórnio). A Queima das Fitas só agrava a discussão e a solução passa por entregar a Recepção ao Caloiro a Guimarães em Outubro e o Enterro da Gata a Braga em Maio.

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O pontapé de partida no conflito tem mil anos. A Carta do Condado delimita o coute de Braga e separa desde cedo o senhorio eclesiástico (justiça e impostos próprios) do condal, tipo cidade-Estado. O conde D. Henrique instala-se em Guimarães e o arcebispo de Braga (D. Estêvão Soares) queixa-se ao Papa Inocêncio III sobre os priores da Colegiada da Senhora da Oliveira, em Guimarães, terem regalias a mais. Geografia, educação e política. Só falta o futebol. Também aqui Braga e Guimarães andam de braço dado com a polémica? Uiiii, é pau é pedra é o fim do caminho.

No final dos anos 80, a Federação Portuguesa castiga o Vitória com um jogo em campo neutro por mau comportamento dos adeptos, que destroem o carro de um árbitro. A suspensão transita de uma época para a outra e calha a fava de o jogo ser em Braga, no 1.º de Maio, e com o Benfica. Duplo azar. Na tarde quente de 25 Agosto 1990, os adeptos vimaranenses apresentam-se no estádio do Braga com um cartaz elucidativo: “Para sermos tratados assim, mais valia sermos espanhóis.” O descuido é adaptado de imediato. Os vimaranenses, tão patriotas (é lá o berço da nação), passam a ser “os espanhóis”. Meses depois, a retaliação contraria a ordem geográfica: os bracarenses passam a ser “os marroquinos”. A teima, usada em tom de brincadeira, vinca uma ironia secular.

Passam-se uns anos, alteram-se algumas vontades. A começar pelo super-Famalicão, único clube minhoto a assumir a liderança da 1.ª Divisão 2019-20 – e por três jornadas seguidas, até cair no Dragão. Nos outros anos, há uma série de curiosidades maiúsculas. Com a final da Taça da Liga 2017, ganha pelo Moreirense ao Braga. Mais Minho é impossível. Perto, muito perto desse estilo, só a meia-final da Taça de Portugal, com Fafe, Braga e Gil Vicente. Sobra o Porto, curiosamente (ou não) vencedor da competição, vs Braga (1-0 nas Antas, golo de Gomes).

Fora as Taças, o Minho começa a fazer-se representar na 1.ª Divisão em 1942, através do Vitória SC. A subida de divisão acontece na penúltima jornada, em Braga, a 9 Dezembro 1941. O Sporting (é assim que tratam o Braga naquele tempo) marca primeiro, por Afonso, num remate de longe. Antes do intervalo, o Vitória responde à campeão. Empate de Zeferino (livre directo) e reviravolta de Rodrigues (remate de primeira, sem preparação). Na segunda parte, outro 2:1 para o Vitória. Acaba 4:2, a sete minutos do fim. A sete minutos, então? A bola fica inutilizada e o árbitro lisboeta António Carvalho dá o jogo por encerrado à falta de um esférico suplente.

O segundo representante é. Suspense. Mais suspense. Só mais um pouco, vá. Famalicão. Aí está o que é. Sobe em 1946 e estreia-se com pompa e circunstância vs Sporting. O resultado é um divinal 5-9. O primeiro golo dessa tarde é famalicense, logo aos 43 segundos, por Pereira. O Sporting empata por Peyroteo. O Famalicão desempate por Pires. Segue-se a reviravolta, por Travassos e Vasques. O Famalicão força o empate, bis de Pereira aos 40’. Antes do intervalo, 3-4 de Albano. Na segunda parte, um bis de Peyroteo desorienta a malta da casa. Ferrão e Tellechea encurtam para 5-6. Outro bis de Peyroteo, 5-8. No último suspiro, 5-9 de Vasques. A época é sui generis em resultados escanifobéticos. Basta ver o 7-3 do Sporting, em Lisboa.

O Braga, ei-lo, é o terceiro representante minhoto a dar um ar da sua graça na 1.ª Divisão, em 1947. Daí para cá, a sua história cresce a olhos vistos. Para início de conversa, é o clube com mais anos seguidos de primeira desde a última promoção (1975), só atrás dos inevitáveis três do costume. Em 2010, na era Domingos, comete a proeza de adiar o título até à última jornada, a favor do Benfica – no ano seguinte, chega à final da Liga Europa em Dublin, perdida para o Porto.

Segue-se o Riopele, dessa terra foneticamente elegante (Pousada de Saramagos). Campeão da zona norte em 1978, o início na 1.ª é deveras prometedor: 2-0 à Académica em casa, 0-0 no 1.º de Maio, 2-1 ao Vitória FC e 0-0 no Estoril. A partir daí, é o fim da picada. Honra seja feita à paciência da direcção e das suas gentes, nada de chicotadas. Ferreirinha é o homem do leme, da primeira à última jornada, quando um 4-1 na Luz atira irremediavelmente o clube para a 2.ª. Em 1984, o Riopele fecha as portas. Para sempre. Saudades, só vos digo. Um pouco também à imagem de Vizela e Fafe, ambos com tão-só uma experiência na 1.ª, em 1985 e 1989 (o monstro do campeonato das 20 equipas). Gil Vicente é uma moda dos anos 90, Moreirense já é um upgrade do século XXI. Adiante, o Minho é quem mais ordena. Hoje, com os dois jogos. Ou dia 24, com o Moreirense-Famalicão. Ou 25, Braga-Vitória. Ou 10 Julho (dia oficial do Éder), Vitória-Gil. É um fartote. Como é que será fartote em minhoto?