“Nem é transição nem é justa”
(Manuel Afonso, ativista do Empregos para o Clima)

A notícia de que o Orçamento de Estado traz alterações ao IUC caiu como uma bomba, levantando uma onda de indignação social como há muito não se via. O governo já veio desvalorizar o aumento (são só dois euros por mês…), falar em justiça (porque os carros até 2007 pagavam menos), e desculpar-se com as mais valias ambientais da medida (e Medina até diz estar do lado dos que lhe atiram tinta verde). Há alguma bondade nisto? Ou são só desculpas esfarrapadas para justificar o injustificável?

Comecemos pelas supostas injustiças apontadas pelo Ministro das Finanças: Fernando Medina, pertencia ao governo de José Sócrates que produziu a mudança fiscal de 2007 e não sabe? Sabe. Sabe que o “selo” do carro era um imposto para contribuir para a conservação das vias rodoviárias e que não só passou nessa altura a ser pago independentemente de se circular ou não, transformando-o assim num Imposto de Propriedade disfarçado de Imposto de Circulação. Também sabe que se promoveu um desconto substancial no ISV, na compra de carros novos, com a condição de que os mesmos pagariam durante o resto da sua existência, faseadamente, a diferença do ISV no IUC. Não se lembra? Ou está à espera que os portugueses estejam esquecidos?

Como resultado? Um enorme aumento de receita e que não tem parado de subir. E agora, quer mais receita… Ai e tal que são só dois euros por mês? Em 2024… Porque depois são mais e mais. O habitual num governo que todos os anos bate recordes de cobrança fiscal. Só para o ambiente são mais de 600 taxas e taxinhas, representando 6,8% do total de receitas fiscais contra os 5,6% da média europeia (INE 2022).

Além desta imprevisibilidade fiscal (demolidora para a confiança), a medida é socialmente injusta uma vez que penaliza as pessoas com menos recursos – daí terem carros mais antigos. Será isto que justifica a revolta popular, em parte. Mas só em parte, porque o pior ainda está para vir: nada indica que haja aqui quaisquer vantagens ambientais, já que as pessoas continuarão a andar de carro, terão é que pagar mais por isso – logo eles que se tivessem trocado de carro 2 ou 3 vezes, teriam gerado mais 3 ou 4 toneladas de resíduos… O ambiente serve apenas como desculpa neste obscurantismo em que se tributa em cima do já tributado, em que o dinheiro, disperso pelas cobranças, vai sabe-se lá para onde…

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Algum sabe-se: vai para subsidiar a compra de carros elétricos, já agora isentos de IUC, o imposto de… Circulação – estes carros não provocam filas de trânsito? Não desgastam o pavimento? Não ocupam lugares de estacionamento? Não têm acidentes? Não buzinam?

Claro que sim, mas são o menino dos olhos da transição como os socialistas a entendem. Pelo que de pouco vale lembrar que a UE se está economicamente a afundar e que este novo mercado artificial ainda a afundará mais em benefício da economia do maior poluidor do mundo, a China; De pouco vale lembrar que a artificialidade é um incentivo negativo à modernização do mercado, com melhores soluções ou mais acessíveis – enquanto há subsídios não há inovação; De pouco vale até lembrar a inconsistência da apresentação da medida como uma compensação para os descontos nas SCUT e continuar a chamar-lhe “medida verde”; De menos vale ainda lembrar que os carros elétricos também poluem – e não é pouco, até porque parte da energia que consomem também é fóssil – e que deixam um rasto de crianças escravizadas em África, como nos deixarão as serras esventradas com minas de lítio ou forradas com parques solares.

Por último, o total alheamento do que é a realidade do país na maioria do espaço e do tempo. Na maior parte do espaço e na maior parte do tempo, o carro não é só a melhor opção (a mais ecológica mesmo que existissem transportes públicos – porque um comboio vazio, por exemplo, nada tem de ecológico), é a única! Exemplos? O carro é a única opção para que muitas terrinhas tenham na sua aldeia pão do dia, poderem comprar alimentos, roupas, etc.; É a única opção para habitantes de muitas aldeias terem apoio social; A única opção para alguém numa aldeia e numa urgência, se deslocar a um hospital, ou para levar o filho à escola, etc.; É também a única opção para uma deslocação, seja para trabalhar seja para outra coisa qualquer, na cidade no meio da noite…

Que toda esta polémica sirva, pelo menos, para dizer aos radicais anti-carros do governo (que já o haviam demonstrado ser quando governaram Lisboa) que o país tem poucas infraestruturas; que os transportes públicos, onde existem, deixam muito a desejar e não é por serem grátis que passam a ser melhores; que neste país não faltam pessoas pobres; que a tarefa do governo é somar soluções, não fazê-las sumir; que a transição deve ser equilibrada e justa, que não faltam medidas simples que podiam ser equacionadas – acabar com semáforos nas subidas, premiar (por exemplo pagando menos portagem) carros com mais ocupantes, etc.; e, já agora, que os carros são muitas vezes um bem essencial (a mobilidade é um direito humano) e que a esta necessidade básica corresponde um custo absurdo: apesar de muito longe dos maiores poluidores, Portugal é o 4º país do mundo onde é mais caro usar carro!

Respondendo à pergunta inicial, não há bondade ou justificação – os municípios reclamam, nem sequer os ambientalistas estão contentes, os partidos estão todos contra e até no PS há vozes discordantes. De petições a buzinões, os portugueses irritaram-se e prometem fazer-se ouvir. Irá Costa ouvi-los ou do alto da maioria absoluta limitar-se-á a dizer “habituem-se”? Aguardemos pelos próximos capítulos.