Este ano, 2019, é claramente, um ano atípico no contexto político português, por motivos de calendário acabámos por observar os eleitores a serem chamados por 3 vezes às urnas, em Eleições realizadas, todas elas, muito próximas umas das outras, entre finais de maio e inícios de outubro. Com propósitos, também eles, muito díspares, desde caráter meramente regional, no caso da Madeira; ainda antes disso para o Parlamento Europeu e, finalmente as Legislativas Nacionais que definem a composição da nossa Assembleia da República e das quais resulta a formação do Governo.
Talvez, pelo excesso de momentos eleitorais, o que, naturalmente, não haveria como evitar; aliado ao tradicional e infeliz desinteresse demonstrado pelas Eleições Europeias, pois o cidadão médio não é devidamente esclarecido sobre o alcance das instituições europeias e do impacto das suas decisões na sua vida diária, com repercussões vastíssimas na atuação dos Governos Nacionais, aliás, diga-se, muito porque os próprios partidos se sentem confortáveis com esta “omissão” das suas reais estratégias e propostas para a Europa.
A que acresce a falta de consciência e preocupação políticas dos jovens, que começam a evitar mobilização em juventudes partidárias e a apostar, sobretudo, em movimentos inorgânicos que apenas se interessam por um ou dois temas muito circunscritos no mapa de atuação decisório. A falta de adaptação das estruturas partidárias às novas gerações que ainda não descortinaram a fórmula de campanha do século XXI. O ambiente excessivamente calmo e enfadonho que se viveu nas semanas de campanha e pré-campanha, num clima de tranquilidade forjada que em nada fazia lembrar uma disputa de votos eminente, repercutido em debates eleitorais pouco vistos e com pouco empenho dos intervenientes. Se nem as hostes e os militantes de sempre se galvanizaram, fará o resto da população… Esta espécie de pacto de não-agressão entre o PS e os partidos à sua esquerda, que até fazia lembrar um jogo em que, no final, só interessava mesmo era participar: independentemente do resultado, todos amigos, como dantes. Tem todo o sentido quando jogamos a feijões, o que, muito manifestamente não é o caso quando se trata de política e da competição por lugares no parlamento.
A somar a isto, o cruise control da governação socialista, que muito sabiamente conseguiu anestesiar vários setores da sociedade e sair pouco afetada de momentos de aperto e pressão, como as catástrofes do verão de 2017 ou Tancos. E a popularmente eficaz política de redistribuição e reposição de rendimentos, com o descongelamento de várias carreiras na função pública.
Tudo isto contribuiu para a receita perfeita a que assistimos no dia 6: um enorme afastamento e resignação da população relativamente à política. Uma abstenção assustadoramente elevada, ainda que se alegue o recenseamento automático nos círculos do estrangeiro, não há como escamotear o trágico valor superior a 51% numas Legislativas, aquelas que mais motivam e agradam às pessoas, habitualmente. Fizemos história, mas má história: pela primeira vez, em eleições legislativas mais de metade dos eleitores não votam. Isto tem de nos fazer pensar! Neste aspeto, sigo de perto Carlos Moedas que, ao dirigir-se para o hotel onde o PSD estava reunido na noite eleitoral, é interpelado a propósito das projeções para a taxa de abstenção, sendo muito franco e claro ao chamar o ónus para os intervenientes e protagonistas político-partidários. Porque é, justamente assim, os grandes responsáveis pela abstenção são e serão os partidos políticos, que falham sistematicamente no seu trabalho primário, prioritário e urgente acima de todos os outros: a efetivação da Democracia cujo momento alto se expressa no momento da ida às urnas, no esplendor máximo de liberdade e autodeterminação, através das escolhas individuais de cada um que versam sobre o futuro de todos nós, enquanto país e povo.
Não tenho dúvidas que a fonte deste descalabro ao nível da participação eleitoral reside no afastamento da política, através dos seus executantes, dirigentes partidários e demais militantes, da população como um todo, daquelas que são as preocupações e os constrangimentos do dia-a-dia do homem, pai de família; da esposa que tem um emprego exigente e ainda todos os cuidados a prestar aos filhos; dos avós que vivem em dificuldades face às parcas poupanças e reformas e têm de enfrentar a pressão de um conflito inter-geracional, numa sociedade cada vez mais envelhecida e pouco produtiva; do jovem à procura do primeiro trabalho; do cidadão com deficiência, que raramente vê o preceito constitucional da igualdade a ser aplicado para a sua afirmação num mundo que vai perdendo os seus valores morais; do rapaz ou da rapariga com imenso talento e que só precisa de uma oportunidade para soltar o tremendo potencial.
Se somarmos a isto, a desconfiança generalizadamente enraizada nas mentes dos portugueses devida a todos os escândalos com corrupção e falta de credibilidade das instituições, percebemos que estamos a passar um período difícil. Talvez uma crise de puberdade e descontentamento da nossa muito jovem Democracia, que leva ao crescimento de perigosíssimos partidos rebeldes, que, tal como acontece na adolescência, espero que rapidamente desapareça. Caso contrário, se as palavras de André Ventura de que daqui a 8 anos seria o Chega o maior partido em Portugal se concretizarem, bem que podemos esquecer o sistema de Liberdade Democrática em que, eu, felizmente sempre vivi.
Resultam destas eleições, precisamente resultados preocupantes, pela entrada do Chega no Parlamento, partido extremista que ameaça, com o seu programa ideológico princípios fundamentais e questões de regime.Mas também é francamente avisado estar atento ao crescimento eleitoral do PAN, partido sem ideologia, claramente maleável e disforme, que veste a capa de ecologista e verde, quando não o é, visto que segue a sua própria agenda de imposição de ditadura do gosto a uma série de atividades culturais e modos de vida e práticas económicas, em nome de um alegado progressismo, que esquece e abandona aqueles que vivem da Agricultura ou da Produção de gado e todos setores associados, direta ou indiretamente. Porque, sobre ambiente, felizmente, já todos os partidos ganharam noção da Emergência Climática que vivemos.
Assim, o esperado: uma vitória tranquila do PS, ainda que relativa, mas que lhe confere todo o tempo e margem de manobra para governar sozinho e negociar com forças quer à sua esquerda quer à direita; uma estagnação do Bloco de Esquerda e quebra da CDU, demonstrativas de que a Geringonça apenas e só favoreceu o partido socialista. Do lado de lá do hemiciclo, uma derrota não tão má do PSD como o que se vaticinava, diria que Rui Rio conseguiu obter no exame 8 valores e, como tal, mantém ainda o seu lugar na cadeira e terá a oportunidade de ir a oral de aprovação, quando enfrentar as diretas, onde vai jogar toda a sua sobrevivência política. Ao contrário de Cristas, o primeiro pião a cair que, apesar de tudo, foi uma mulher só num partido imensamente fraturado, em que quase ninguém da direção a seguia e ainda tinha uma juventude partidária à solta, sem rei nem roque.
Um novo Parlamento: por enquanto os partidos de Centro (Esquerda/Direita) mantêm-se maioritários e esse deve, verdadeiramente ser o nosso maior motivo de contentamento, porque no final de contas, é a Democracia que está em cheque e só uma jogada de mestre a partir de agora nos tirará desta posição de perigo permanente.