Qual é o dia de reflexão dos eleitores que votaram no passado Domingo? Sim, aqueles que, como foi o meu caso, optaram por votar antecipadamente estão certamente desobrigados de reflectir no sábado anterior às eleições. Nós já reflectimos há sete dias. A não ser claro que se nos aplique a obrigação de reflectir pós-dia de eleições. (É certo que os desacertos entre as escolhas feitas pelos eleitores e aquilo em que os eleitos se transformaram depois de escolhidos são tão sonantes que levam a pensar que a reflexão pós-eleitoral devia ser obrigatória e vinculativa.) Assim sendo, e estando eu neste limbo reflectivo-legislativo, tenho a acrescentar que quero mesmo escrever sobre esta eleição europeia – a tal para que votei há uma semana – e sobre a duvidosa legalidade da forma como decorreu a votação em que participei.
Já aos leitores que hoje têm de reflectir recomendo que revejam a Raquel Welsh em “One million years BC”, sim exactamente aquele filme dos anos 60 que mistura bikinis, dinossauros e hortas biológicas. Andam os caros leitores com o comando até ao momento da aula de natação da Raquel Welsh aos primitivos. Pronto ficam aí sossegados que eu já volto e uma coisa dessas vale a pena ser vista várias vezes. Entretanti eu reflito sobre a minha experiência eleitoral de há uma semana. Repito, de há uma semana. Logo estou por minha conta.
Não foi uma questão de mais fila ou de muito tempo para votar. É de legalidade mesmo que falo ou mais propriamente escrevo: votou-se depois da hora e havia urnas abertas – sim, com a urna sem tampa e com os votos todinhos ali à vista e à mão de qualquer um. Quanto ao sigilo do voto também me parece que está mais que comprometido. Senão vejamos o que aconteceu: o voto não foi apenas dobrado como nas outras eleições, mas sim colocado dentro de um envelope branco que por sua vez foi metido dentro doutro envelope, este azul. Com o voto duplamente envelopado entregava-se o mesmo a um membro da mesa que escrevia no dito envelope exterior o nosso nome do eleitor, o nosso número de cartão de cidadão e o local de voto. Como é óbvio o processo inverso é possível: olha-se para o envelope azul e lê-se o nome que lá está. Depois é só abrir o envelope azul, em seguida o branco e depois desdobrar o voto. Dir-se-á que tal nunca acontecerá. Não sei.
Acreditando que os leitores perceberam devidamente a engenhoca dos envelopes voltemos à aula de natação da Raquel Welsh mais precisamente ao momento em que estavam os primitivos a descobrir as maravilhas do crawl e aparece a aventesma do dinossauro voador.
Creio que foi desde esse momento fundador na História do cinema e dos bikinis que nas cabecinhas ocidentais se passaram a confundir alterações climáticas com tudo o que comprometa “o bom tempo” para ir à praia. Basta ouvir as palavras de ordem dos betinhos urbanos que desfilaram no centro de Lisboa para “salvar o planeta” e as diatribes daquela adolescente Greta que parece saída das aterrorizantes brigadas de crianças khmers vermelhas, para constatar que mais dinossauro menos vulcão se tornou fé obrigatória acreditar que o planeta está em risco por culpa da humanidade, para o caso das culpas restrita ao mundo ocidental. E assim com a Raquel Welsh quase a ser devoradas pelas crias do pterodactilo (o bikini continuava a assentar-lhe estupendamente!) voltamos à minha votação. De há uma semana, não se esqueçam os leitores nem a CNE.
Se alguém tratou de experimentar previamente o procedimento estabelecido para a votação antecipada certamente que se calou bem caladinho pois ao tentar-se enfiar a matrioska de envelopes dentro da ranhura da urna de voto constatava-se que não cabia. A sério, os envelopes não passavam facilmente daí que em algumas mesas de voto se tenha optado por abrir as urnas. Também ninguém ponderou o tempo necessário para se escrever no envelope exterior o nome do eleitor, o seu número de cartão de cidadão, local de voto e selar com uma etiqueta numerada a matrioska de envelopes. Mas ainda faltavam mais uns detalhes logo mais tempo na fila: tínhamos de depositar o voto na urna aberta ou lutar com a ranhura para, por fim, recebermos o comprovativo de que tínhamos votado devidamente etiquetado com um número igual ao que selara o nosso envelope. Como se percebe tudo isto demorava muito mais tempo que a votação habitual. Mas ninguém o previu. Afinal uma coisa é anunciar o voto antecipado e fazer de conta que sim senhor somos muito modernos. Outra bem distinta é tratar e verificar os procedimentos para que ele de facto aconteça.
Neste momento da fita já a Raquel Welsh está de figura inspiradora da presente articulação entre o feminismo e a ecologia pois não é em vão que ela lidera aquele grupo de amazonas que não só praticava a pesca sustentável como se dedicava com particular sucesso à agricultura biológica.
Nada do que aconteceu na votação de dia 19 é tecnicamente irresolúvel mas a forma atabalhoada como decorreu esse dia de eleições remete para um padrão governamental: anuncia-se, faz-se o show do anúncio, colhem-se os louros jornalísticos do projecto ambicioso, do anúncio histórico, da medida inovadora… Quando chega a hora da verdade em que o histórico não existe, o inovador fica abaixo das expectativas e o ambicioso falha já não há notícias até porque os jornalistas já estão a comentar outro projecto ambicioso, outro anúncio histórico e outra medida inovadora…
Por exemplo, em Maio de 2018, anunciava-se como um dado adquirido que bastava cortar vagas no ensino superior em Lisboa e no Porto para que milhares de estudantes se pusessem a caminho das universidades e politécnicos do interior. Em Setembro, o ministro Manuel Heitor rejubilava porque a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro tinha atraído mais 82 novos estudantes do que no ano anterior. O Politécnico de Bragança mais 63, a Universidade do Minho 59 e a do Algarve 45. Curiosamente a Guarda que não fica no litoral registava menos 53 alunos, e as interiores Beja e Viseu perdiam respectivamente 25 e 23 alunos.
Feitas as contas conclui-se que o interior ganhou menos alunos que o Governo notícias a anunciar que íamos ter mais alunos no interior. Agora, em Maio de 2019, um estudo veio confirmar isso mesmo (o falhanço da medida não o sucesso das notícias sobre ela): “Corte de vagas não produziu efeitos desejados”. Como é óbvio a agenda anda agora entretida a anunciar o resultado doutras medidas. Elas terão de ser cada vez mais, mais espampanantes, mais ideologicamente marcadas e mais irrealistas para no seu estardalhaço ofuscarem o falhanço das anteriores mesmo quando o seu falhanço é de 100% como aconteceu com a muito propalada linha de crédito para limpeza da floresta.
E a Raquel Welsh o que foi feito dela? O “leitor-eleitor em dia de reflexão” que me perdoe mas não podia estar a interromper a contabilidade dos alunos que iam para o interior e não foram com a descrição do momento em que a mesma Raquel se torna uma precursora do multiculturalismo na versão tribal mas deixo já aqui a minha proposta: os manifestantes que querem “salvar o planeta”, mais a menina Greta e os deputados que a querem ouvir qual sibila, apanham o cacilheiro e vão até Cacilhas. Aí, com os pezinhos em cima desses terrenos que já foram de um estaleiro que a luta contra o capitalismo destruiu e que a empresa estatal“Baía do Tejo” se prepara agora para vender por 2 mil milhões de euros (para quê? Para escritórios e habitação que a indústria já foi para a China!) falam sobre as alterações climáticas e a subida do nível do mar. Assim ficará mais claro quem em Lisboa quer declarar a emergência climática e em Almada quer construir rentinho ao mesmo mar que em Lisboa se garante vai subir. Acreditem o anacronismo do bikini da Raquel Welsh a par da sua aula de natação aos primitivos são um detalhe ao pé do desacerto entre o discursos e a prática desta gente.
Em resumo e como resultado de uma reflexão que creio aprofundada pela forma como votei nestas eleições: sabemos que a esquerda está no poder quando os anúncios governamentais são avaliados em função do anunciado e não do acontecido. É a sua marca d’água. Tal como o bikini era da Raquel Welsh.