Aníbal Cavaco Silva deixou, num artigo de opinião no Expresso, um conselho público a Luís Montenegro: só terá uma muito alta probabilidade de “fazer o que lhe compete” como governante se houver eleições legislativas “antecipadas ou não” e conquistar uma maioria. Há uma razão que parece irrefutável: na atual manta de retalhos parlamentar, não há condições para Luís Montenegro governar nos próximos quatro anos. E, mesmo que consiga esse milagre aritmético, não será certamente um governante reformista.

Depois do aviso de Cavaco Silva, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o ex-líder do PSD Luís Marques Mendes apressaram-se a rescrever o manual de instruções dado ao atual primeiro-ministro. Defenderam ambos que eleições agora não era bom para a imagem de estabilidade do país, nem para a execução do PRR e, além disso, o resultado podia deixar tudo na mesma. E, se dúvidas houvesse que ambos estavam mesmo a responder à letra a Cavaco Silva, os dois disseram que “a situação é diferente de 1985”, ano em que o antigo primeiro-ministro conseguiu uma maioria absoluta após o derrube de um governo minoritário.

Marcelo Rebelo de Sousa, pelas razões que já aqui tínhamos refletido, não quer ser responsável por mais uma dissolução e, por isso, tudo fará para que a batata quente caia nas mãos do seu sucessor. Marques Mendes — que além de conselheiro de Estado é conselheiro próximo de Luís Montenegro — veio admitir uma nuance: até pode haver eleições antecipadas, mas só depois de março de 2026. Ora, é precisamente nessa altura que Luís Montenegro tem a janela para conseguir a maioria que Cavaco Silva aconselha.

A ironia da política é que os primeiros outdoors de Luís Montenegro, logo após a entronização no Congresso de 2022, diziam: “Montenegro 2026”. Não era nenhum sortilégio, mas apenas a mais óbvia constatação que, em condições normais, o seu então principal adversário — e agora novo amigo — António Costa levaria o mandato até fim. Os ventos mudaram, mas — mesmo que publicamente não saia da ideia de que “a legislativa é para cumprir até ao fim” — do ponto de vista estratégico o melhor que podia acontecer a Luís Montenegro seria ter eleições em 2026.

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Se tiver eleições em 2025 — na sequência de um chumbo do Orçamento do Estado em outubro/novembro — Luís Montenegro não conseguirá muito melhor do que conseguiu em 2024 porque não teve tempo para aumentar a sua base de apoio, nem se afirmar como uma liderança estável. Se acontecer o milagre de só ter eleições em 2028, Luís Montenegro chegará tão desgastado pela oposição de PS e Chega e pelos escolhos de uma governação minoritária que dificilmente conseguirá uma maioria absoluta. Cavaco pediu, indiretamente, eleições antecipadas. Só não disse quando. Marques Mendes deu uma ajuda: 2026.

Colocar o foco em 2026 significa que Luís Montenegro tem de fazer um esforço para conseguir a viabilização do Orçamento do Estado em outubro. Parece claro, pela agressividade relativamente ao Chega (Hugo Soares acaba de atacar a “extrema-direita” nas jornadas parlamentares e dizer que não “salta o muro”; e Luís Montenegro ensaiou um roast a André Ventura no último debate quinzenal) que a AD prefere que seja o PS a viabilizar o documento.

Sobre essa preferência pelo PS — que até o anti-socialista Cavaco Silva prefere, quando admite “pactos de regime” para reduzir o peso dos “partidos extremistas” — António Leitão Amaro também deixou pistas no fim-de-semana em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1. O ministro da Presidência avisou que “quem viabilizar o Orçamento do Estado não está a responsabilizar-se pelo resultado da governação, mas quem chumbar é responsável por impedir a governação”. Há um detalhe curioso: Leitão Amaro fala em “viabilizar”. O Chega teria de votar a favor do documento, mas ao PS bastava a abstenção. Ou seja: ao socialistas bastava viabilizar e não votar contra.

Dobrando o orçamento das tormentas, há condições (políticas e constitucionais) para haver eleições só depois de março de 2026. E, aí, Luís Montenegro pode tentar lutar pela tal maioria absoluta ou por uma maioria que lhe permita ser absoluto com os liberais da IL. Daí que o objetivo estratégico sejam eleições antecipadas, não agora, mas no tal ano: 2026.

Mas não será um passeio no parque. Desde logo porque há autárquicas em 2025 e o PSD tem de mostrar vitalidade. Mesmo que não conquiste a liderança da ANMP, tem de recuperar câmaras ao PS, manter Lisboa e reconquistar o Porto para conseguir cantar vitória. Essas autárquicas são, aliás, a oportunidade de Pedro Nuno para virar o jogo nesse mesmo 2026, apostando num crescimento autárquico do Chega que retire votos diretamente ao PSD e permita ao PS vencer os municípios onde houver disputa renhida entre ambos. Ninguém quer eleições agora, mas poucos serão os que não as desejam em 2026. E não faltará criatividade, a quem for conveniente, para as forçar.