Trago ao conhecimento dos leitores três exemplos que, julgo, espelham bem o valor acrescentado da economia criativa a partir de elementos retirados da natureza e da cultura. O primeiro exemplo foi retirado do suplemento Fugas do jornal Público do passado dia 6 de maio, intitula-se as águas que nos correm nas veias e, como aí se escreve, é pelos caminhos da água que vamos por terras de Boticas, Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar, 3000 Km2 de mundos, um novo velho reino maravilhoso torguiano, uma verdadeira arte da sobrevivência e da solidariedade.

Quando falo de natureza e cultura o texto do Fugas dá-nos muitos exemplos: o ecomuseu do Barroso, a casa do vinho de Valpaços (museu interativo), a ecovia do Rabaçal, o atelier de fumeiro regional, o museu das termas romanas de Chaves, o parque natureza e biodiversidade de Boticas (um mosaico de usos muito diversos), o centro de artes de Nadir Afonso de Boticas, o parque aventura de Ribeira de Pena, o complexo mineiro romano de Tresminas, o parque de lazer e campismo de Vila Pouca, e muitos percursos de natureza, praias fluviais, celebrações religiosas e rituais pagãos, paisagens literárias, endemismos locais, um vasto património monumental e alojamentos turísticos para todos os gostos.

Um outro exemplo merecedor de atenção diz respeito à economia do montado. Convido os leitores a fazerem uma visita à Herdade do Freixo do Meio (HFM), junto à aldeia de Foros de Vale Figueira, próximo de Montemor-o-Novo, onde uma economia criativa de colaboração e reciprocidade é praticada e pode ser diretamente observada.

A HFM reconheceu, a partir dos anos noventa, a falência do modelo de agricultura industrial intensiva e retomou a prática agroecológica do montado. O modelo de agricultura biológica praticado na HFM desde o início do século dá prioridade à regeneração do capital natural através do restabelecimento do solo e dos diferentes extratos do sistema (arbóreo, arbustivo e herbáceo) baseados em ecossistemas complexos e em ciclos de fertilidade naturais e locais. Com o tempo, o projeto da HFM alargou o seu âmbito operacional e estruturou-se com base num conceito multifuncional, onde se gerem no mesmo tempo e espaço atividades silvícolas, agrícolas e pecuárias, frutícolas, hortícolas, de transformação e distribuição alimentar, de retalho alimentar, de serviços ambientais, de produção de energia, de investigação e de serviços turísticos e didáticos. Hoje a HFM está inscrita na rede nacional de áreas privadas protegidas do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e é um excelente exemplo de uma agricultura baseada em ecossistemas complexos e adaptada aos ciclos de fertilidade do respetivo capital natural sendo visitada por milhares de turistas e estudiosos todos os anos.

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Mas poderia, ainda, acrescentar um terceiro exemplo. Os bordados de seda de Castelo Branco são um exemplo eloquente de uma cadeia de valor própria e completa com origem no concelho e que é uma genuína inspiração para todos. A montante desta cadeia temos o cultivo da árvore-mãe, a amoreira, a seguir a produção, preparação dos ovos e a criação das lagartas do bicho de seda, depois a produção dos fios de seda, a seguir a tecelagem e o comércio de seda, por último, os tecidos e o vestuário de seda em íntima associação com o design de moda e os produtos do merchandising. Uma menção muito especial para o lugar central desempenhado pela APPACDM (Associação dos Pais e Amigos dos Cidadãos com Deficiência Mental de Castelo Branco) que fez da inclusão social dos seus utentes o signo mais distintivo desta cadeia de valor única e singular. É um caso que, pela sua exemplaridade, merece ser estudado e replicado em outras cadeias locais e regionais.

Quando falo do valor acrescentado da economia criativa trata-se de criar uma espécie de economia da reciprocidade em que, por um lado, a natureza e a cultura transferem valor para os produtos locais e regionais via preço e, por outro lado, estes devolvem à natureza e cultura uma parte desse valor acrescentado. Estamos, assim, no interior de uma cadeia de valor onde a economia criativa zela pelas regras de reciprocidade e equidade que os parceiros devem manter entre si. Economia da reciprocidade e teoria das convenções ou contratos, este é o lema da economia criativa na gestão das cadeias de valor que juntam natureza, cultura, tecnologia e economia produtiva. Se quisermos uma definição mais concetual de economia criativa talvez possamos dizer que é uma abordagem multidisciplinar, lidando com a interface entre natureza, cultura, tecnologia e economia e centrada na prevalência de produtos e serviços com conteúdo criativo, valor cultural e objetivos de mercado.

Neste contexto é devida uma referência especial às tecnologias e plataformas digitais. Através das artes plásticas, do marketing digital, da publicidade e do branding territorial, a multidisciplinaridade da economia criativa pega num vestígio arqueológico, endemismo local, paisagem literária ou uma peça de artesanato e encontra aí distinção e valor suficientes para que uma parcela desse valor seja incorporada  no produto final que tanto pode ser um artigo de moda, como uma cerâmica decorativa, um derivado de cortiça, uma peça de mobiliário urbano ou um produto biológico regional.

A terminar, aceite as minhas sugestões. Visite as terras de Miguel Torga, os caminhos da água e a alma barrosã. Visite a HFM, observe a fusão singular entre natureza e cultura e prove os seus produtos únicos à base de bolota. Visite, enfim, a APPACDM, aprecie, ao mesmo tempo, o exemplo de inclusão social, a singularidade da cadeia de valor e a delicadeza dos bordados de Castelo Branco que, em conjunto, formam a base da candidatura de Castelo Branco a cidade criativa da Unesco. Três exemplos de uma união feliz entre economia do ambiente, economia produtiva e economia da cultura, a cadeia de valor da economia criativa.