Os programas políticos eleitorais sustentam-se em programas macroeconómicos e procuram responder a grupos sociais (jovens, pensionistas) e profissionais específicos (professores, médicos, profissionais de segurança) basicamente com promessas de dinheiro no bolso (aumento do salário mínimo e das pensões, devolução do tempo de serviço, subsídios de risco, etc). No entanto, nenhum programa de governo parece preocupado com uma verdadeira melhoria das instituições, do comportamento das lideranças, da produtividade e do ambiente. Creio que se pressupõe que uma perspetiva macro pode mudar o país. Nada mais errado pois não tem mudado até agora. O diabo está nos pormenores! E a economia é antes de mais e acima de tudo comportamental!

É necessário criarmos uma nova consciência e sermos reflexivos radicais críticos. É preciso um novo contrato eco-social. Tal implica uma acupunctura organizacional sistemática, mudança de comportamentos e mobilização das tecnologias digitais em prol da qualidade de vida, produtividade e sustentabilidade. Com uma atenção redobrada às lideranças e às suas acções! Esse é o novo radicalismo necessário. Comecemos por uma pergunta simples: quantas reuniões a administração pública faz que deveriam ser antes um ‘zoom’ ou, até, um mero email? A discussão não é portuguesa. Há até um caderno na Amazon à venda com esse título: Meetings that could have been emails. Em Portugal temos milhões do PRR para a transição digital e é difícil não concordar com os programas eleitorais relativos à transição digital na Administração Pública. Mas o problema (como sempre neste país) são as pessoas!

Desde o fim da pandemia tende-se a privilegiar as reuniões presenciais às online. Um sem número de reuniões entre 1 e 3 horas implicam deslocações propositadas. Terminadas, as pessoas apressam-se em sair para outros afazeres que interromperam ou para os seus compromissos familiares. Assim, a ausência de vantagens para a economia local e a consciência de vantagens em se ter usado as tecnologias disponíveis, cria um sentido de absurdo. Então, a pergunta óbvia: Porque não um ‘zoom’ ou um mero email? Dificilmente encontro outra explicação que não seja a de uma cultura de culto do poder e de performance dramatúrgica do controlo de dirigentes sobre funcionários. Ou seja, o típico abuso de poder que faz parte da cultura organizacional portuguesa. E, entretanto, perde-se tempo, dinheiro, qualidade de vida, saúde e…produtividade. Tal só quer dizer que o poder dos dirigentes está acima de tudo isso!

Analisemos então, em termos ambientais, económicos, sociais e de governança (os quatro pilares da sustentabilidade) este tipo de comportamento que, a não ser, pela via da performance do poder, é completamente irracional.

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Vamos conceber que vão 20 pessoas à reunião. Considerando que a reunião é em Lisboa e estimando que em média cada um dos participantes fez 10 kms em transporte individual para chegar e outro tanto para regressar (estimativa muito benévola), a uma média de 100 g/co2/ km de emissão por viatura, temos um total de 400kg de CO2 de emissões. Convém dizer que o tráfego rodoviário é um dos principais promotores de poluição local, gazes com efeito de estufa e aquecimento global e que Portugal foi em 2022 o segundo país da União Europeia, que mais viu subir as emissões de CO2 (9,9%), logo a seguir à Bulgária (12%), enquanto outros países diminuíram as emissões (Países baixos, Luxemburgo, Bélgica, Hungria).* Mas afinal, o que significa não emitir 400kgs de CO2? Utilizando a ferramenta ALPLA**, 400kgs de CO2 equivale ao sequestro de CO2 de 18 árvores durante um ano. Portanto…10 reuniões poupadas, 180 árvores, 100 reuniões, 1800 árvores! Não dará que pensar? Se ajudar pensar também nos 370 mil carros que entram em Lisboa!

E em termos económicos, o que significa uma reunião presencial sem motivo? Uma reunião de uma hora, significa facilmente três horas, se tivermos em conta o trânsito e, de facto, meio dia de trabalho perdido. A organização consegue de facto reflectir e incorporar tal despesa como produtiva? E a Administração Pública? Nos casos específicos em que os funcionários têm o ‘centro da sua vida familiar’ (fórmula que ficou ultimamente conhecida para justificar deslocações) noutra área metropolitana, caso o funcionário venha de propósito nesse dia, uma hora de reunião significa efetivamente um dia perdido, pois sete são de viagem!. Para além destes ‘custos de contexto’ que não são tidos em conta também não se consideram os ‘lucros perdidos’, ou seja, o facto de uma reunião sem sentido algum (por vezes mesmo característica de um teatro do absurdo de Beckett ou Ionesco) ter interrompido outra qualquer acção muito mais produtiva (e que não está na lista de justificações possíveis, claro).

Agora vamos aos custos pessoais e familiares. Lá está o ‘centro da vida familiar’! É importante perceber-se que esta figura parece só existir para deputados. A pergunta impõe-se: para que profissionais tal legitimação pode ter efeitos: há muitos profissionais de segurança, enfermeiros, médicos, professores e outros cujos ‘centros da vida familiar’ estão muito distantes do da obrigação profissional. Não só os subsídios de deslocação são uma ilusão mas o próprio respeito. São milhares de profissionais em que essa falta de respeito pela relação família-trabalho faz com que estórias como a do subsídio de deslocação de Pedro Nuno Santos sejam corrosivas. A conciliação emprego-família que é em Portugal um problema central está nestes casos dependente do favor. E a solicitação pode até ter efeitos exatamente contrários: a obrigação basicamente de ’picar ponto’ para perceber quem manda em quem! Os custos pessoais e familiares de deslocações a reuniões sem sentido ao invés de um zoom ou um email são tempo retirado às pessoas e à família, stress acumulado e um sentido de absurdo que se instala na vida organizacional.

Finalmente, a Governança. Quando não se tem em conta as pessoas, não se tem em conta a governança. Ou seja, atingir objetivos coletivos para o bem comum em função de uma cooperação, tendo como base a confiança mútua e o compromisso pessoal é uma fórmula que perde todo o sentido. As reuniões presenciais têm, assim, as mais das vezes, um único sentido: o do administrativismo da hierarquia burocrática sem mais. A conversa de treta ‘cordial’ ou mesmo quasi-informal é grandemente um embrulho hipócrita e significa tão só ‘eu mando e tu obedeces’.

Portanto, e concluindo, mandar um email ou reunir online em vez de reunir presencialmente é uma atitude radical com mudanças efetivas de comportamento institucional e com ganhos significativos em termos ambientais, sociais, económico e até de governação. Infelizmente, tal não se faz porque o país tem um problema de complexo de inferioridade que requer súbditos presentes para uma auto-confirmação do poder exercido. Tal não se faz porque o país tem uma ausência de cultura de cooperação e de equipa que se traduz numa contínua desconfiança dos líderes em relação aos funcionários que se revê também nas desconfianças destes face aos líderes.  Tal não se faz porque as pessoas não são de facto valorizadas.

Precisamos de um novo radicalismo reflexivo e crítico que possibilite um novo contrato eco-social. E para isso, precisamos de uma acupunctura organizacional para a sustentabilidade em que um mero email ou uma reunião zoom possa substituir a obrigação de actos presenciais anacrónicos e absurdos.  A norma tácita do silêncio total que se evidencia cada vez mais nestas reuniões é a resposta adequada ao abuso de poder e desperdício do nosso capital humano e da riqueza do país de tais absurdos presenciais! Nada melhor numa reunião que devia ter sido um email do que ‘entrar mudo e sair calado’!

*Noticia do Observador (9 de Junho 2023) -Emissões de CO2 recuam na UE e Portugal regista 2.ª maior subida em 2022
**Ferramenta ALPLA de comparação de CO2 – https://www.alpla.com/pt/sustentabilidade/calculadora-de-co2