É próprio do populismo que, mais dia menos dia, este se vire contra o populista. A história dos partidos políticos está repleta de casos de quem abusou da arrogância moral e advogou comportamentos sociais que depois não foi capaz de cumprir (à direita e à esquerda). Por isso, o episódio de Ricardo Robles, cujo moralismo na habitação lhe valeu notoriedade, nada tem de inovador: ele foi vítima do seu próprio discurso populista sobre a habitação, aparecendo agora como um hipócrita. Enquanto criticou o aumento especulativo do preço da habitação, adquiriu e recuperou um prédio que tentou vender por quase 6 milhões de euros, valorizando cinco vezes o seu investimento inicial. Enquanto perseguiu a explosão no alojamento local em Lisboa, colocou o seu prédio à venda anunciando-o para alojamento local. Enquanto acusou a lei das rendas do governo PSD-CDS de promover despejos de inquilinos, ele próprio aumentou a renda dos apartamentos e negociou a saída de inquilinos do prédio que adquiriu. Enquanto responsabiliza políticos pela crise de habitação na capital, lava as mãos de responsabilidades no seu caso, apontando à agência imobiliária a decisão sobre os valores do negócio. A lista de contradições é extensa e insanável.

Tanto quanto se sabe, o negócio de Ricardo Robles enquanto proprietário é legal e legítimo – a valorização do imóvel mostra que foi, aliás, um bom negócio. Só que, simultaneamente, tudo isto corresponde ao comportamento que, no debate político, o BE e Ricardo Robles criticam, qualificam de “especulação imobiliária” e definem como alvo a abater. Pelos padrões do projecto político do BE, o que Ricardo Robles fez é factor de dano social para a comunidade. A raiz do problema está aí – e diz mais sobre o BE do que sobre Ricardo Robles.

É este o ponto: a hipocrisia pessoal de Ricardo Robles é gritante, mas o foco deve estar no moralismo do seu partido, que contamina o seu projecto político e que promove a desqualificação violenta dos seus adversários. Um moralismo que, agora, colidiu com a actuação do seu vereador lisboeta e que destapou as incoerências pessoais dos protagonistas do BE e da natureza do seu projecto político. Destapadas essas incoerências, não restam agora muitas hipóteses aos bloquistas. Ou o BE as assume e age em conformidade em relação a Ricardo Robles, censurando publicamente a sua actuação. Ou o BE assume que as incoerências estão enraizadas no seu projecto político, por este ser incompatível com as aspirações legítimas dos indivíduos, e altera a sua agenda política. Ou, então, o BE simplesmente nega a realidade, evitando rever o seu projecto político ou sequer ponderar consequências internas para Robles.

Catarina Martins preferiu a terceira opção: perante as acusações contra Ricardo Robles, a líder do BE ripostou que as notícias eram falsas, criticou a comunicação social, contestou as críticas e lançou uma teoria da conspiração – o Jornal Económico, que publicou a investigação inicial, repudiou (e muito bem) as acusações de Catarina Martins. Ora, mesmo que errada, a opção da líder do BE não constitui qualquer surpresa. É que é assim mesmo que todos os partidos se comportam: têm olhos de falcão para as falhas dos outros, mas ficam cegos perante as suas próprias incoerências.

A moral da história é essa: o BE é um partido como os outros, igualmente contraditório, igualmente cheio de vícios e igualmente repleto de incoerências internas. Dito assim, parece que isto apenas sublinha o óbvio. Mas, para a retórica do BE, este óbvio é fatal: equivale à queda do seu castelo e a uma facada no seu projecto político. Os bloquistas sempre se idealizaram moralmente superiores aos seus adversários políticos e os titulares do único projecto político verdadeiramente legítimo. Não o são e não o têm. Quem tem juízo, já o sabia. A partir de agora, o próprio BE ficou a saber.

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