Causa-me alguma surpresa o cordão sanitário que se impôs ao redor do Chega, elevando o partido de André Ventura a grande ameaça à democracia. Isto num país que, durante décadas, viveu tranquilamente com um partido estalinista, apoiante de um sem número de ditaduras, e que parece ter como bússola moral um partido que tem militantes e dirigentes condenados por crimes de terrorismo, incluindo crimes de sangue.

Eu não gosto do Chega e discordo profundamente das suas políticas. Considero algumas das suas propostas, e sobretudo o seu discurso, contrários não só aos princípios democráticos mas a uma sociedade civilizada. Mas poderia dizer o mesmo sobre o PCP e o Bloco de Esquerda, como aliás a invasão da Ucrânia veio deixar claro, até para os mais cegos.

A Democracia não se defende amputando-a. Gostemos ou não, o Chega é a terceira força política nacional e representa mais de quatrocentos mil votos. E esses votos têm de ser respeitados. Quem tenta excluir um partido eleito nas urnas em eleições livres não está a defender a Democracia, pelo contrário, está a atacá-la.

A Democracia defende-se no escrutínio público, no debate de ideias, no confronto político. A única forma de obrigar qualquer partido a respeitar a Democracia é obrigando-o a jogar o mesmo jogo que todos os outros. Como aliás se viu com o Partido Comunista Português, depois do 25 de Novembro.

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Boicotes e cordões sanitários só irão dar força ao Chega, que se pode assim afirmar (e, neste caso, com justiça) como vítima dos restantes partidos. Querem ver André Ventura cair? É só tratá-lo da mesma forma que os restantes lideres partidários.

Mas eu percebo que é conveniente transformar o Chega no bode expiatório da nossa Democracia. É conveniente para a esquerda, que assim agita a bandeira do fascismo para se constituir guardiã da Democracia, como aliás fez, de forma bastante eficaz, António Costa, na campanha. É também conveniente para o Chega, que assim afirma as suas credenciais anti-sistema (o que é estranho num partido fundado por um homem que durante anos foi avençado de um dos maiores grupos de comunicação do país, apadrinhado por um famoso socialista maçon e que fazia parte do aparelho do PSD até vislumbrar uma maneira mais fácil de dar largas à sua ambição).

Só não percebo porque razão a direita se deixa manietar pela esquerda e pelo Chega de maneira tão disparatada. Não considero que os partidos de direita tenham que ter qualquer relação especial com os populistas, mas também não concebo a razão pela qual concedem uma tal importância ao Chega que lhe dispensam um tratamento que nunca tiveram para com o PC ou o BE.

Tudo isto seria divertido se não fosse o problema de permitir branquear a qualidade da nossa Democracia. Porque, de facto, em Portugal a Democracia está bastante fragilizada mas não por causa de um partido com três anos, que elegeu um grupo parlamentar pela primeira vez. O Chega é um sintoma do descontentamento popular, mas a doença é outra.

A doença da nossa Democracia é o clientelismo político, que permite que no nosso país, desde a mais pequena Junta de Freguesia até aos mais altos cargos públicos, façam carreira incompetentes sem qualquer currículo a não ser o cartão de militante.

A doença da nossa Democracia é a economia do amiguismo que permite que contratos públicos milionários sejam adjudicados a empresas com dias de vida que, por coincidência, pertencem a familiares ou amigos de quem adjudica.

A doença da nossa Democracia é uma comunicação social constantemente pressionada por políticos, onde a proximidade ao poder é garante de sucesso e a construção de um projecto editorial independente esbarra em obstáculos misteriosos.

A doença da nossa Democracia é haver uma justiça para o povo e outra para os poderosos. E não, não falo do facto de os ricos terem acesso a melhores advogados, mas da influência que o poder político detém sobre a polícia e a magistratura.

É preciso dizer sem medo que o problema da Democracia em Portugal não é o Chega (nem o Partido Comunista ou o Bloco). Sim, são extremistas, mas uma Democracia forte tem ferramentas para lidar com eles. O perigo para a Democracia em Portugal é o Partido Socialista, que considera o Estado como coisa sua e o usa para premiar os seus apoiantes, perseguir os seus adversários, enriquecer os seus amigos e garantir uma poderosa teia de relações que lhe garantem o poder.

Sim, a doença da nossa Democracia está hoje personificada no PS. Fazer cordões sanitários ao Chega ou ao PC é como tentar curar um abcesso com paracetamol: acalma a dor por momentos, mas o problema vai-se agravando. Defender a Democracia em Portugal neste momento significa combater o monopólio do Partido Socialistas sobre o Estado e a Sociedade.