O território do Tibete consiste num enorme planalto, um dos mais altos do mundo, em parte semi-gélido, com quase dois milhões de quilómetros quadrados (quatro vezes maior do que países como a França ou a Espanha). A população, todavia, ronda os três ou quatro milhões de habitantes apenas. Quase espanta ver como pode ser uma tão inóspita região alvo de tantas cobiças.

Os mais antigos tibetanos pertenciam a um povo denominado “Shen”. Cerca de 1063 antes de Cristo, o Tibet era unificado por um rei semi-lendário, Shenrab Miwo, e o primitivo animismo religioso dava origem a uma nova fé, denominada religião Bon. Alguns séculos depois, já destroçada tal unificação, um reino tibetano de nome Bod tornou-se importante, ao ponto de Bod ser o nome indígena do território tibetano nos nossos dias.

Em 127 antes de Cristo, o Tibete era de novo unificado por Nyatri Tsenpo. O calendário tradicional tibetano tem aí o seu início.

O “tecto do mundo”(nome por que é conhecido por vezes o Tibete) teve também uma fase guerreira e conquistadora entre 629 e 842 depois de Cristo, atacando os seus vizinhos. Houve exércitos tibetanos na Índia (Bengala), por exemplo.

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É no século VIII que o Budismo se torna dominante na região, não sem várias lutas. Entre 842 e 1247, o Tibete encontrava-se dividido entre vários estados rivais, e o seu expansionismo nada mais era que uma recordação. Dirigentes budistas governaram depois um país reunificado, a partir de 1254. Os mongóis invadiram o território, mas este, após uma formal aceitação do seu domínio, foi vivendo independente… principalmente depois de os mongóis terem perdido os seus domínios. Os chineses “Ming” (1368-1644) não se interessaram significativamente pelo Tibete.

Todavia, em 1644, a China passou a ser governada por um povo guerreiro e conquistador, os manchus, que, embora com o tempo se fossem confundido com os conquistados (muitíssimo mais numerosos do que eles), expandiram as fronteiras da China até à Mongólia, ao Sinquião, ao Tibete (1724), e a outros territórios ainda (Nepal, Birmânia, etc.). Os tibetanos, todavia, existiram, e várias vezes os manchus tiveram de retirar… bem como outros invasores de menor importância. Em 1792, o exército chinês impôs a presença de um “residente” manchu como protector, mas o seu domínio foi sempre contestado, sucedendo-se as revoltas, as expulsões, e as novas intervenções de Pequim. Na prática, o País era independente. Por volta de 1876 até os britânicos, vindos da Índia, alcançaram o território, e chegaram, em 1904, a invadi-lo sem que Pequim reagisse!

A China encontrava-se então em decadência. Os europeus, a que se juntaram depois os japoneses e os norte-americanos, ocupavam os seus portos e exploravam as suas riquezas. Foi um período triste e humilhante, em que fazer “um negócio da China” significava enriquecer rapidamente ( e à custa dos chineses).

Em 1911, o Tibete proclamou a sua independência total, derrotando depois uma expedição enviada por Pequim. O mesmo fez a Mongólia Exterior (a actual República da Mongólia). Pequim, de qualquer forma, pareceu ter-se desinteressado por aquele planalto, mantendo sob o seu domínio directo apenas uma parte dele (a província de Tsing-Hai, ou Koukou-nor, ou Amdo), que não era pois administrada pela capital tibetana, Lhassa. Note-se que, desde o mesmo ano de 1911, a China se tornara uma República, tendo acabado o domínio Manchu.

Como se sabe, desde 1949 a China transformou-se numa República Popular. Os novos dirigentes chineses, à frente dos quais se encontrava o mítico Mao-Tse-Tung (Mao-ZaDong), tudo fizeram para mostrar que o Povo Chinês tinha reencontrado a sua independência, a sua dignidade, e que era de novo possuidor de um governo central poderoso. Logo em 1949, o Tibete Oriental (Tchamdo ou Chamdo) foi ocupado pelas novas autoridades, ao que se seguiu o resto do Tibete ( 9-Setembro-1951). Foi respeitada, em teoria, a autoridade do Dalai Lama (expressão que significa algo como “Grande-Sacerdote”), mediante um estatuto de autonomia especial.

Todavia, o ressentimento dos tibetanos foi crescendo, mesmo porque, ao que parece, a China pouco respeitava o citado estatuto. Assim, em 1959 surgiu uma revolta, dominada com rudeza por Pequim. O Dalai-Lama teve de fugir para a Índia, e a China nomeou um fantoche para o seu lugar. Mais de 200 000 tibetanos o seguiriam.

A propaganda chinesa apresentava o Dalai-Lama como um dirigente teocrático, não-democrático, uma vez que não era eleito, como o representante de uma casta de monges que exploravam a ignorância do povo, como o símbolo de superstições. Em alternativa, propunham-se levar a Revolução Socialista ao Tibete, embora respeitando os costumes locais ao ponto de permitir a existência de mosteiros budistas.

Na verdade, este tipo de discurso convenceu muita gente, e ainda hoje tem os seus adeptos. Contudo, a História mostrou-nos que, por muito boas que possam ser as intenções de “invasores esclarecidos” (recordamos, por exemplo, as invasões francesas em Portugal, ou as ocupações coloniais, “civilizadoras”, em África e noutros continentes, nos séculos XIX-XX, para já não falar do recente exemplo da invasão do Iraque), essas invasões “bem intencionadas” provocam efeitos perversos. Em primeiro lugar, despertam o ressentimento e o ódio dos “invadidos”. Em segundo lugar, destroem bruscamente modos de vida tradicionais, impedindo cada povo de evoluir por si próprio. Em terceiro lugar, escondem outras intenções. No caso do Tibete, populações chinesas têm sido levadas para o território, ocupando a maioria dos postos de comando e ajudando a modificar a composição étnica do País. O resultado prático de tudo isto é ódio, ódio, e sempre mais ódio.

2008 viu isso mesmo. Tibetanos enfurecidos a rejeitar tudo o que seja chinês. Pequim a aumentar a repressão, e a intensificar a destruição da cultura indígena.

Tudo isto por 1 228 400 Km2 de território inóspito (mais uns 900 000 Km2, se quisermos considerar territórios tibetanos administrados por outros enquadramentos), menos de 3 000 000 habitantes (2,2 habs/Km2), por um território, afinal, que só foi chinês por conquistas “imperiais”. Tudo isto, repita-se, por uma contraditória política chinesa, que se orgulha de ter libertado a China “dos tempos da exploração imperialista dos europeus e dos seus aliados, os Imperadores Manchus”, mas que não parece compreender o princípio básico do Direito de cada povo dispor de si mesmo (para já não falar dos Direitos Humanos na própria China). E que se reclama herdeira do expansionismo territorial dos ditos Manchus! Será que Pequim vai reclamar mais territórios?

Na verdade, a comunidade internacional tem de criar mecanismos que permitam intervir nestes casos. E, já agora, registe-se com repulsa a reacção da Comunidade Internacional, e até de destacadas figuras da política mundial, tão rápidas a defender os Direitos Humanos em certas ocasiões e a menosprezá-los noutras!