O sistema fiscal é um dos fatores críticos para o sucesso económico de qualquer país. Infelizmente, os nossos decisores políticos parecem estar a desprezar esta premissa, demonstrando-se incapazes de implementar um sistema que estimule a competitividade e o crescimento da nossa economia. Ora vejamos.

A Tax Foundation, no seu International Tax Competitiveness Index de 2020, coloca Portugal na 33ª posição entre 36 países, apontando a taxa de IRC como um dos fatores mais prejudiciais para a nossa competitividade. Efetivamente, os nossos 31,5%, são apenas ultrapassados pelos 32% da França, sendo a média da OCDE de 23,3%. Portugal é mesmo um dos poucos países que aumentou o IRC nos últimos anos, algo verdadeiramente incompatível com este mundo global, onde o capital não se compadece com impostos altos e flui com toda a liberdade.

Relativamente aos impostos sobre o trabalho, segundo o relatório anual da OCDE, Taxing Wages 2021, em 37 países, apenas sete viram a carga fiscal sobre o trabalho aumentar e Portugal foi um deles. Em 2020, o peso do IRS e dos descontos para a Segurança Social nos salários cifrou-se em 41,3%, quando a média da OCDE foi de 34,6%, colocando-nos no 11º lugar entre as 37 economias da OCDE.

Já a Estónia não anda a brincar com coisas sérias e apresentou o melhor código fiscal do International Tax Competitiveness Index pelo sétimo ano consecutivo. Essa classificação deve-se, segundo esse estudo, a quatro fatores principais. Primeiro, uma taxa de IRC de 20% aplicada apenas aos resultados distribuídos, fortemente incentivadora do investimento. Segundo, uma taxa fixa de IRS de 20%, tremendamente simplificadora. Terceiro, os impostos sobre os imóveis aplicam-se apenas sobre o valor da terra, promovendo a construção e a reabilitação dos edifícios. Quarto, isenção dos lucros estrangeiros obtidos por empresas domésticas, uma alavanca para a internacionalização das suas empresas. Não é, portanto, coincidência, que a Estónia, outrora um dos países mais pobres da Europa, nos tenha ultrapassado no PIB per capita e no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.

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Onde também comparamos mal com a Estónia, é no tempo que uma empresa demora a tratar das suas obrigações anuais de IRC, IVA e Segurança Social. Segundo o estudo Paying Taxes de 2020, realizado pela PwC e pelo World Bank, em média, enquanto uma empresa portuguesa demora 246 horas a tratar das suas obrigações fiscais, uma empresa na Estónia demora apenas 50 horas. Essa diferença resulta da simplicidade e do desenvolvimento digital do sistema fiscal da Estónia, repercutindo-se em ganhos de produtividade e menores custos para o Estado e para as empresas.

Ao insistir num sistema fiscal pouco competitivo, Portugal estimula a economia paralela e a fuga de capitais. Segundo as estimativas do último estudo feito pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude, em 2015, a economia paralela correspondia a 27,3% do PIB, ou seja, 49 mil milhões de euros, um valor mais de quatro vezes superior ao orçamento anual do Ministério da Saúde. Num estudo da Comissão Europeia, em percentagem do PIB, Portugal foi considerado o terceiro país da União Europeia que mais riqueza transferiu para offshores, estimando-se que, entre 2001 e 2016, tenham sido desviados cerca de 50 mil milhões de euros. Noutro estudo, The Missing Profits of Nations, estimou-se que, em 2016, o fisco tenha “perdido” 630 milhões de euros de receita de IRC como resultado da transferência de 2,8 mil milhões de euros de lucros das multinacionais a operar em Portugal para outros países, nomeadamente para os Países Baixos.

Entre 2008 e 2017, Portugal subiu da 16ª para a 11ª posição entre os Estados-membros da UE relativamente ao peso dos impostos no volume de negócios das empresas, representando, em 2017, cerca de 20%. Essa foi uma das conclusões de um estudo realizado pelas consultoras EY e Sérvulo para a Confederação Empresarial de Portugal, publicado em outubro de 2020, que também concluiu que Portugal cobra 4.300 taxas ao seu universo de empresas.

Enfim, não sobram dúvidas. Portugal apresenta um sistema fiscal pesado e insuficientemente promotor do mérito, da poupança e do investimento. Pelo contrário, incentiva o crédito, enquanto contém demasiadas isenções, exceções, subvenções, amnistias, vistos Gold e condições fiscais especiais atribuídas a um número muito limitado de pessoas e empresas.

Vivemos, assim, num país em que o aumento de impostos para os que cá vivem, trabalham e criam empresas tem sido acompanhado por benefícios fiscais atribuídos a estrangeiros. Como consequência, dados de 2020 demostram que 40% do investimento imobiliário realizado na ARU de Lisboa foi feito por estrangeiros. É também evidente o deserto de multinacionais sediadas em Portugal, com ou sem capitais portugueses.

De pouco nos valerá continuarmos a ser um país muito simpático para estrangeiros, para startups, para jogadores de poker e para investidores em criptomoedas, se depois maltratamos as grandes empresas e os trabalhadores que pelo seu mérito foram subindo na carreira. Se é importante continuarmos a reforçar as condições que fomentam o aparecimento de unicórnios, como a Outsystems, a Feedzai, a Farfetch e a Talkdesk, temos também de fazer com que essas empresas se mantenham em Portugal.

Para isso precisamos de um sistema fiscal estável, neutro, competitivo, simples, digital, justo, sustentável e transparente, que promova o investimento e o crescimento económico. Um sistema livre desta política de compadrio, exceções e subsídios, gerador de um ambiente igualmente propicio para a atividade empresarial local e estrangeira, deixando o mercado, e não o Governo, selecionar os campeões nacionais. Um sistema que mitigue a evasão fiscal, a economia paralela, a corrupção e a fuga de capitais. Um sistema com um número menor de impostos, taxas, escalões, isenções e exceções, com uma base tributária mais alargada, que facilite o cumprimento das obrigações fiscais dos cidadãos e das empresas. Um sistema que corresponda às características e desafios deste admirável mundo novo, incluindo o envelhecimento da população, as alterações climáticas, as transformações no mercado de trabalho e os novos modelos de negócio da indústria digital, sejam os dos gigantes tecnológicos sejam os dos nómadas digitais.

Um sistema com essas características acabará por gerar mais receitas para o país poder corresponder às suas prioridades sociais. Pelo contrário, quanto maior for a teia e o espartilho fiscal, menor será a dinâmica económica, gerando-se um ciclo vicioso de aumento de impostos e quebras de crescimento económico, envergonhadamente compensadas por regalias para estrangeiros ou portas secretas para amigos do Primeiro-Ministro, tremendamente injustas para o bom empresário e contribuinte português.