Por estes dias, os jornalistas e o jornalismo foram notícia pelas melhores e piores razões.

As melhores, couberam ao 5.º Congresso, no regresso ao palco passados sete anos, com um programa alargado e ambicioso, embora com a crise dos media em pano de fundo, a preencher o essencial dos debates.

As piores, pelo facto de o mesmo Congresso coincidir, temporalmente, com uma instabilidade de contornos inéditos e graves, suficiente para por em dúvida a viabilidade de alguns títulos históricos, agravando as incertezas e a precariedade de emprego no sector.

Por isso, em vez de o Congresso ter sido uma oportunidade para percepcionar e analisar os desafios que se colocam ao jornalismo – exercido num cenário extremamente complexo, onde se cruzam a evolução tecnológica, com mudanças profundas nos hábitos de consumo mediático -, este acabou por ser dominado pelo pré-colapso de um grupo editorial, e pelas dificuldades que outros negam, mas que também sentem.

Em bom rigor, foi mau demais o que se assistiu na Global Media Group, dona de títulos de referência como o Diário de Notícias e Jornal de Notícias, e de uma rádio de informação, a TSF. Todos estiveram na berlinda, com salários em atraso, despedimentos anunciados, além de demissões em cascata de responsáveis editoriais e de gestores.

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E tudo isto à sombra de um misterioso fundo de investimento, sediado num paraíso fiscal nas Bahamas, que passou a deter a maioria de controlo da empresa.

Disse, a propósito, o Presidente da República aos congressistas, que “tudo isto torna inevitável que haja transparência, no saber quem lidera e gere o quê na comunicação social”. Sem dúvida.

Disse ainda a ERC, a entidade reguladora – em resposta a um insólito comunicado da gestão da Global Media -, que “a questão da transferência de salários não tem absolutamente nada a ver com a ERC”. E não tem.

O certo é que prevaleceu o imbróglio, com essa originalidade de um fundo-patrão se furtar às transferências  necessárias para satisfazer a folha de salários, a pretexto de estar em curso um conjunto de procedimentos desencadeados pela ERC e pelo anterior accionista dominante. Um “study case”.

Perante a dramática situação da Global Media, não surpreendeu, assim, que na “fita do tempo” do Congresso as emoções se tivessem sobreposto à reflexão fria e substantiva sobre os novos paradigmas que se colocam aos profissionais e sobre as mudanças que estão a alterar rapidamente a paisagem da comunicação social e as preferências dos destinatários da informação.

Vai longe a época em que os leitores esperavam pela saída dos jornais, matutinos ou vespertinos, para se inteirarem do que se passava no País e no mundo, ou que não perdiam as “Actualidades“ projectadas nas salas de cinema, em  complemento de filmes de  estreia.

A rubrica “Ultima Hora” ou “Últimas”, que nenhum jornal dispensava, transformou-se, nesta era digital, no “Último Minuto”, para acompanhar e descrever a vertigem dos acontecimentos.

Ou seja: a   informação ganhou em instantaneidade o que perdeu em qualidade. A urgência impôs-se. A “tabloidização” dos media avançou em terrenos improváveis, enquanto a informação– espectáculo contaminou o audiovisual e fez o resto.

Nos jornais, perdeu-se amiúde a noção de equilíbrio na hierarquização dos títulos, substituída por “manchetes” gritantes à largura da capa; e nas televisões, os principais blocos noticiosos passaram a confundir-se, não raramente, com “reality shows”, desmedidos na duração, além de miméticos no alinhamento e na escolha de conteúdos.

Tal estado de coisas contribuiu, na Imprensa, para o seu aflitivo enfraquecimento, com tiragens e vendas em banca a roçarem o residual; e nas televisões, generalistas ou temáticas – envolvidas numa competição dramática de audiências, para não “secarem” a   publicidade -, instalou-se o confronto com o “streaming” e a concorrência das grandes plataformas digitais.

Quanto à Rádio, sobrevive em larga medida à custa do ouvinte no automóvel, sacrificado nas “horas de ponta” em território urbano, ou sem outra fonte de informação ou de entretenimento quando em viagem na estrada.

Depois, falou-se demais em “jornalismo do cidadão“ e de menos na perda  influência por parte dos jornalistas,  também cumpliciados, por vezes,  com interesses políticos, nunca inocentes, ou  comerciais,  que lesam a sua credibilidade e, no limite, os fazem incorrer em incompatibilidades que podem ser sancionadas até com a perda da carteira profissional.

Claro que esta combinação  de factores negativos acabaria por dar mau resultado. Em certos casos, o jornalista hipotecou mesmo o estatuto de testemunha e de mediador dos acontecimentos, seduzido por um certo protagonismo, e comprometendo o rigor e a imparcialidade da narrativa.

O percurso feito desde o primeiro Congresso, realizado há mais de 40 anos, é longo e fértil em curvas apertadas e obstáculos de monta, que moldaram a profissão e transformaram o perfil dos media.

Viveu-se, então, sob o lema ”Liberdade de Expressão, expressão da Liberdade”, a novidade de um Congresso em democracia, ainda numa fase de enraizamento e de consolidação. Daí que nas conclusões a tónica repousasse na defesa da “liberdade de expressão e o direito à informação, com repúdio por todas as formas de censura”.

De facto, se em janeiro de 1983 as preocupações se centravam “na morte que desejamos definitiva das censuras e dos institucionalizados exames prévios“ e  se respirava a liberdade de escrever sem condicionamentos,  como “a conquista maior da história do jornalismo português “, em  descrita e audiovisual.

Daí os debates terem privilegiado “o estado de emergência em que se encontra o Jornalismo”, o financiamento do Jornalismo e a precariedade laboral, que se sobrepuseram à reflexão tão necessária e urgente, perante a evolução tecnológica – e nesta a Inteligência Artificial, a nova e poderosa “concorrente” do jornalista, se este “adormecer na forma” e não for capaz de assumi-la como parceira, em lugar de repudiá-la.

O desfecho do Congresso, na lógica do desamparo, seria a aprovação de uma moção, mandatando o Sindicato dos Jornalistas para convocar uma greve geral no sector, em data a definir.

Claro que o recurso à “bomba atómica”, como alguém lhe chamou, tem numerosas implicações e está sujeito a contingências e a resistências que os congressistas não terão, talvez, sopesado, evitando, contudo, a versão mais radical, que pretendia marcar a greve em plena campanha eleitoral para as Legislativas, com as consequências que são imagináveis.

Por muito solidária que a comunidade jornalística possa estar com os colegas sem salários da Global Media Group , será sempre complexo alcançar-se uma patamar de consenso, tendo como objectivo  a paralisação total dos meios de comunicação, escritos e audiovisuais.

O risco de fiasco é, portanto, apreciável e convirá antecipar os cenários mais previsíveis, desde logo no quadro da interacção entre empresas de media públicas e privadas, cujas perspectivas são obviamente diferentes.

Recorde-se que já no Congresso anterior, realizado em janeiro de 2017, houve uma proposta polémica, aprovada por maioria, que considerava, e com razão, que “conferências de imprensa sem direito a perguntas não são conferências de imprensa, são comunicações, comunicados lidos, portanto, não faz sentido que os jornalistas estejam presentes”, E recomendava   “o boicote a essas pretensas conferências de imprensa”.

Desde então, e não obstante as inúmeras conferências de imprensa realizadas sem direito a perguntas, não consta, na generalidade dos casos, que os jornalistas tenham obedecido ao deliberado em Congresso…

Por isso, mais vale “pôr gelo nos pulsos” e reflectir de cabeça fria, para não embarcar em utopias que se perdoam no clima emocional de um conclave de jornalistas inquietos, mas que podem esbarrar numa impossibilidade prática, que desmobilize mais ainda a capacidade reivindicativa de uma profissão de desgaste rápido.

Em quase meio século de Democracia acidentada, entre a matriz do poder revolucionário e a “geringonça” que recuperou em parte a soberania das esquerdas radicais, o inverno do jornalismo compareceu no  Congresso, sem omitir as mazelas que o debilitam.

É um lugar comum escrever-se que o jornalismo independente é vital para a Democracia. Menos comum é reconhecer que o jornalismo não sobrevive a empresas cronicamente deficitárias, com tesourarias exaustas, nem parece realista imaginar a salvação dos media ao colo do Estado, como se este não impusesse contrapartidas.

A “nacionalização“ do jornalismo não serve a Democracia.   Serve o poder instalado, a troco de falsas garantias. E as ilusões, como a mentira, “têm a perna curta” …