Uma campa rasa no cemitério da sua terra – esta terá sido a única disposição de Salazar sobre o seu funeral. E com esta decisão criou um monumento fúnebre impressionante, com uma leitura política não só óbvia mas constante através dos tempos. Como logo repetiram os jornais portugueses aquando da sua morte, era o pobre filhos de pobres que regressava à sua terra. Quase meio século depois, aquela campa rasa continua a dizer aquilo que Salazar queria que dele se dissesse: que morreu pobre o homem que durante 40 anos esteve no centro do poder em Portugal.
Face à mensagem política gerada pelo despojamento daquela campa não deixa de ser curiosa a polémica em torno da construção de um museu dedicado a Salazar, em Santa Comba, sendo que afinal o museu não se pode chamar museu mas sim “Centro de Interpretação” e apesar de ser ali construído por causa de Salazar ali ter nascido, também não se pode dizer ser sobre Salazar mas sim sobre o Estado Novo. Estão a gozar, não estão? Não deixa de ser patética esta preocupação com a possibilidade de a imagem de Salazar sair beneficiada aos olhos dos visitantes desse hipotético museu, centro ou lá o que vierem a chamar-lhe. Na verdade, a imagem de Salazar para a posteridade beneficiou muito mais com o facto de esse museu não ter sido construído e que tudo aquilo que dele sobrou para mostrar seja uma campa térrea. O próprio, no seu imenso orgulho, algum cinismo e aquele sentimento do depois de mim o caos, não teria desejado outra coisa.
Convenhamos que estas fantasmagorias em torno de Salazar já cansam. Com a democracia quase a cumprir o número mágico dos 48 anos contabilizados pelo Estado Novo, esperava-se que o regime democrático se tivesse libertado de Salazar, que este fosse um capítulo fechado da História e não um antagonista sempre presente, apesar de morto há largas décadas, e de o seu projecto político ser circunscrito a um tempo. (Em Espanha este fenómeno do espiritismo político teve até os contornos grotescos de o desenterramento de um cadáver – o de Franco – ter acabado transformado no principal desígnio do governo de Pedro Sanchez.)
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