Recentemente assistimos com surpresa à notícia de um jovem que teria premeditado e preparado minuciosamente um ataque sem precedentes em Portugal na própria universidade que frequentava. A intenção não deixava dúvidas. A violência era mandatária.

Perante o inesperado, surgem os medos, as perguntas, os silêncios, os inúmeros debates com especialistas, as opiniões mais diversas…

E eu? Qual o meu papel no meio deste turbilhão? No meio do mundo que passa à minha frente?

A história da Humanidade é “palco” da coexistência do Bem e do Mal. A própria natureza humana é lugar do Bem e do Mal.

A crise que temos vivido nos últimos dois anos veio expor as fragilidades da sociedade humana atual, a forma como estamos organizados, o modo como vivemos. Deu-nos a conhecer uma parte das nossas vidas que estaria oculta, silenciada, invisível. Hoje percebemos melhor o quanto somos frágeis neste mundo complexo, intenso, que caminha a alta velocidade.

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Há uma enorme confusão de valores. As estruturas da sociedade, nomeadamente a mais elementar na sustentabilidade da humanidade – a Família –, estremecem, tornam-se vulneráveis aos tempos, caiem como castelos de cartas.

Realidades que há poucos anos chocavam com os valores culturais e sociais, tornaram- se cada vez mais banalizadas na vida das sociedades pós-modernas. A liberalização do aborto, as leis de “género”, a propaganda homossexual, a legalização das drogas leves, a eutanásia, são sinais de uma cultura que passou a focar-se no descarte, no sentimentalismo hedonista, na relativização e até valorização dos comportamentos atípicos.

A cultura atual pisou uma linha vermelha quando deixou de considerar a Vida um valor absoluto, a Dignidade Humana um valor inerente ao ser humano e a Liberdade uma expressão constitutiva da pessoa.

Transpostos estes pressupostos antropológicos, tudo é possível. Precisamos de parar e saber olhar para estes sinais, percebendo que estes também são tempos de grandes oportunidades, de voltar ao essencial.

Os sinais dos tempos ajudam-nos no diagnóstico das doenças da nossa sociedade

Falamos de doenças culturais às quais não estamos imunes. Também nós podemos ser portadores, mesmo que os sintomas sejam leves ou aparentemente invisíveis.

Ante o individualismo, há que descobrir o valor da interdependência pessoal na construção da nossa própria humanidade e o tesouro da complementaridade entre todos, para não correr o risco de viver a tristeza individualista, ou o vazio existencial. Estar consciente que as limitações próprias do ser humano não nos permitem saciar as ânsias de infinito e de transcendência que se encontram inscritas no coração humano.

A Família é a primeira afetada por esta doença. Quando o casamento passa a ser vivido como dois projetos autónomos e individuais que apenas seguem algum tempo lado a lado, quando deixamos de estar disponíveis para entrar no projeto pessoal dos outros, e ainda quando deixamos de estar abertos para sofrer com o outro, para acompanhar o sofrimento do outro, encontramo-nos doentes.

É a “autonomia individual” a comandar os comportamentos de acordo com valores relativistas, sentimentalistas e hedonistas, levando a uma escalada que desemboca na perda total de sentido para a vida, nomeadamente para as dificuldades, para a doença e para o sofrimento.

Na Família é sintomático a intolerância à dor e às agruras da vida que fazem parte das histórias familiares. Chega a tentação da desistência perante as dificuldades e tudo o que custa, ignorando que na vida o que mais vale a pena é exigente. Chega a desesperança e a falta de solidez nas famílias, pois cada um procura o caminho mais fácil e mais cómodo.

O relativismo impõe-se em todos os sectores da sociedade. A realidade deixou de ser objetiva para passar a ser algo dependente das circunstâncias de cada momento, de cada cultura, e a um nível micro, dependente de cada olhar sobre a realidade.

Passámos a ter diversas verdades, tantas quantas os olhares e os interesses pessoais de cada um. O Bem e o Mal não existem de forma objetiva. Passam a ser decididos na medida em que são subjetivos. Nada é reconhecido como definitivo. Tudo passa a ser volátil, temporal, descomprometido.

O Homem tornou-se medida da realidade e medida de si mesmo. O centro do universo. O antropocentrismo desordenado gera o utilitarismo. O poder humano sem limites, a cultura do descarte.

Vivemos numa cultura anti-humanista. Aleksandr Soljenitsin, no seu livro O Arquipélago Gulag, afirmava que a linha que divide o Bem e o Mal atravessa o coração de cada ser humano. Até que cada um de nós não reconheça humildemente a sua parte, não começamos a ter uma solução. Este é sem dúvida o primeiro desafio para uma sociedade mais humanizada, integra e feliz.

Amar o nosso Mundo e o nosso Tempo

Todos, sem exceção, temos um papel no Mundo. Esse é o sentido da nossa existência. Existimos com uma vocação, um projeto pessoal, que vamos descobrindo através das circunstâncias com que nos vamos deparando.

É precisamente metidos neste entrançado complexo de realidades do nosso tempo que somos desafiados pelo próprio Cristo, no final dos ensinamentos das Bem-aventuranças, a ser “Sal da Terra e Luz do Mundo”: Mat. 5. 13-16

Sal que conserva a essência: O Bem, a Beleza e a Verdade. O que preserva o mundo da destruição e do declínio.

Luz que ilumina o caminho: A Alegria, o Otimismo e a Esperança. O que permite o mundo seguir o seu trilho de forma confiante.

Sta. Teresa de Lisieux escreveu na História de uma Alma: “Creio que essa Luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos os que estão em casa”.

A Família tem por força da sua natureza e do seu cariz mais essencial um papel insubstituível no mundo nas duas vertentes: conservar o Mundo e a Verdade sobre o Homem, ser Sal; Progredir sabendo abrir os novos caminhos do Bem, ser Luz.

A Família é coparticipe da criação do homem. É geradora de vidas, futuros homens e mulheres neste mundo. É Lugar de Alegria, onde nos preparamos para sabermos viver com alegria até nas circunstâncias mais adversas. É Lugar de aprendizagem. Lugar onde se ama incondicionalmente. Lugar onde se cuida. Lugar onde se formam os valores suporte do bem comum.

Se queremos transformar o mundo temos que o fazer a partir da família

Temos que olhar para a realidade, seja ela qual for, com olhos de amor, sabendo que o amor cura. O amor autêntico é aquele capaz de superar o mal, as limitações, as dificuldades, os estragos e o sofrimento do mundo.

Experienciamos o amor que cura nas nossas vidas familiares de todos os dias. Não só quando acontece uma queda de triciclo curada milagrosamente com o abraço amoroso da mãe, como também quando sabemos constatar que só com amor conseguimos que um filho supere, quer seja nos estudos, nos comportamentos, ou nos seus desvios ou desilusões. Como afirmava aos milhares de jovens o Papa Francisco na Vigília da JMJ Panamá em 2019, “só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça pode ser transformado.”

Se queremos humanizar a nossa sociedade, temos que aprender a amar o nosso mundo e o nosso tempo. Como nos ensinou S. Josemaria Escrivá numa magnífica homília na Universidade de Navarra em outubro de 67, “Amar o Mundo apaixonadamente”!