O PSD é um partido grande e, nele, cabem várias sensibilidades, fações e alas. Sempre assim foi. Nele cabem conservadores e progressistas. Católicos e agnósticos. Criacionistas e darwinistas. Inadiáveis e liberais. Desapiedados e wokistas. O partido tem um ex-líder que quase se ofendia se dissessem que o partido era de direita e um outro ex-líder que sugeriu que um ideal de família tem um pai e uma mãe. É também por ser assim que o PSD capta todo o tipo de eleitores, naquilo que os politólogos gostam de chamar de catch all party ou partido-autocarro (porque entram todos).

Dentro do PSD há até espaço para os que mudam de opinião. Pedro Passos Coelho, por exemplo, antes de ser primeiro-ministro tinha posições menos próximas da direita conservadora e até se distinguia, por isso, da única adversária que lhe ganhou eleições internas (Manuela Ferreira Leite, que chegou a pedir para chamarem “outra coisa” ao casamento entre pessoas do mesmo sexo). Passos Coelho defendeu por exemplo, numa entrevista ao jornal i a 13 de março de 2010, que a “homossexualidade ou a heterossexualidade não tem de ser o critério para a adoção. Quando avaliamos as condições em que determinada pessoa deve poder adotar, o critério não é saber qual é a sua orientação sexual”.

Cinco anos mais tarde, votou contra a adoção de casais do mesmo sexo. Em sentido contrário ao de Passos Coelho, votaram 19 deputados do partido que liderava e dois deles ministros do atual Governo: Margarida Balseiro Lopes e António Leitão Amaro. Passos Coelho não se importou nada com isso e até enalteceu a liberdade de voto interna.

Na despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez a posição de Pedro Passos Coelho também foi mudando de acordo com o período da história: votou contra em 1998, votou a favor em 2007 e admitiu recuar na lei em 2011. Ao contrário de Passos Coelho, Margarida Balseiro Lopes foi sempre coerente em ir contra o posicionamento mais conservador nas questões ditas “fraturantes”. Em 2015, como já vimos, a atual ministra tinha estado na vanguarda da defesa dos direitos LGBT quando votou ao lado da esquerda sobre a adoção por pessoas do mesmo sexo. Em 2018, foi uma das cinco deputadas do PSD que votou a favor da morte assistida e ficou célebre o abraço que deu a Isabel Moreira. Repetiria o voto, já mais acompanhada na bancada (mas pouco), em 2020.

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O posicionamento de Margarida Balseiro Lopes, por exemplo, sobre estas matérias foi sempre diferente dos dois homens que mais mandam hoje no partido: Hugo Soares e Luís Montenegro que, para ambas as situações, queriam (e, num dos casos, ainda querem) um referendo a validar ou afastar aquilo que a atual ministra da Juventude já aprovou no Parlamento. Ainda assim, essa diferença não impediu Montenegro de escolher Margarida Balseiro Lopes para vice-presidente do partido e ministra.

Ao chegar ao Executivo, Margarida Balseiro Lopes continuou coerente. Ainda em julho, numa audição parlamentar, a ministra da Juventude admitiu que há discriminação em Portugal contra pessoas LGBT e foi acusada por Rita Matias de ser o “cavalo de Troia para a agenda woke deste Governo”. A governante — e isso é que tem irritado a ala mais conservadora do partido — fez questão de dizer que a posição não era a sua, mas a de todo o Executivo: “Este Governo, não só eu própria, está absolutamente comprometido com a defesa dos direitos humanos e os direitos das pessoas LGBTI”.

Meteu-se o verão, uma última ceia parisiense pelo meio, mas as polémicas voltaram. Mais de um mês depois, em resposta a uma pergunta do Bloco de Esquerda, a ministra da Juventude defendeu a linguagem neutra utilizada pela DGS, validando a expressão “pessoas que menstruam”, onde inclui pessoas transgénero e não-binárias. Uma parte do partido ficou desconfortável, mas o tema — que tinha tudo para ser um rastilho na oposição — acabou por ser abafado pela contenção típica dos partidos de poder. A reação mais vocal foi a do deputado e antigo secretário-geral adjunto, Bruno Vitorino, que comparou a posição de Balseiro Lopes à das irmãs Mortágua.

Não é difícil de adivinhar (pelo histórico de posições) o que pensa Luís Montenegro sobre o assunto, mas é pouco provável que dê um puxão de orelhas público a Margarida Balseiro Lopes. Nesse caso, tinha de criticar a ministra por ser coerente. Por ser igual ao que sempre foi. Além disso, quando está no Governo, um partido, e um líder, tendem a ligar menos à ideologia e mais ao pragmatismo. Se a DGS seguiu uma norma da Organização Mundial de Saúde, o Governo não se vai imiscuir em questões técnicas e médicas, dirá Montenegro. Se lhe perguntarem, vai dizer que está preocupado em governar e não com semântica. E vai destacar o que já foi feito na pasta, como o IRS Jovem ou a isenção de IMT até aos 35 anos. O líder do PSD até pode preferir que se use a expressão “mulher” em vez de “pessoa que menstrua”, mas o primeiro-ministro tem mais do que fazer do que se preocupar com isso. Passos, como vimos, preocupou-se no período antes e no período depois de entrar no Governo. Mas não durante. É uma questão de pessoas. E de períodos.