Na esteira da COP26, decorrida em Glasgow, pudemos testemunhar mais uma previsível onda de protestos em defesa da consciencialização para o perigo das alterações climáticas, o que é sempre auspicioso. O tema, pela sua importância, não é favorável a nenhum tipo de embandeiramento em nenhuma espécie de negacionismo bacoco face a uma problemática que está mais que provada e legitimada pela comunidade científica internacional.

As alterações climáticas são, neste momento da nossa história, a maior ameaça global que todos temos pela frente. Não só por ser uma ameaça ao desaparecimento de países inteiros, não só por ser responsável por, em poucas décadas, determinadas regiões do planeta se tornarem inabitáveis por via do calor extremo, o que dará origem a migrações em massa, que ofuscarão fácilmente as recentes migrações que observamos vindas do norte de África e do Médio Oriente. A fenómenos naturais como secas extremas e prolongadas, aluviões súbitos, incêndios devastadores, tornados destrutivos, furacões como não há memória, entre outros eventos climáticos que resultarão em números ainda mais elevados de morte e destruição, até em regiões onde não há registos deste género de desastres naturais, não mencionando o elevado risco do aparecimento de novos cenários de guerra onde esta se julgava improváveis, motivadas por novas disputas geopolíticas surgidas em resultado do clima, seja por água, seja por terras férteis, seja por outros recursos naturais. Este é o panorama, este é o inimigo maior que a humanidade enfrenta neste exacto momento histórico da sua existência.

Perante isto começa a surgir uma ameaça tão sinistra como as próprias alterações climáticas, nada mais do que a politização ideológica do ecologismo.

Começa a ser cada vez mais comum observar, nestas manifestações, a infiltração de uma nociva retórica anti-capitalista, injectada pelos priorados da esquerda identitária radical que, nefasta e matreiramente, se aproveita de uma causa comum séria para a transformar numa questão de ideologia, como que um problema gerado por parte de uma elite que veste fraque, usa cartola e fuma charutos, como o boneco do monopólio, enquanto estão numa mesa redonda no alto de um arranha céus a conspirar contra o bem estar de todos nós. Não bastava que tal ideia fosse uma completa falta de noção da realidade, é também um dos gestos mais perniciosos contra a própria causa das alterações climáticas.

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Gritar frases como “o capitalismo não é verde” ou “socialismo por um planeta limpo”, atribuindo ao capitalismo e à economia de mercado as responsabilidades de estarem na origem do colapso climático, não corresponde à realidade quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista objectivo.

Do ponto de vista factual não há anjos nem demónios. Enquanto existiram países socialistas alinhados com o modelo de sociedade do antigo bloco de leste, todos esses países eram possuidores de um imponente aparato industrial altamente poluidor com a sua indústria pesada. Nações capitalistas e nações socialistas andaram de mãos dadas e dedos entrelaçados com as acções que motivaram as consequências climáticas que vivemos hoje.

Do ponto de vista objectivo, as responsabilidades devem sim ser imputadas aos sistemas produtivistas desenfreados postos em marcha desde o apogeu da revolução industrial em meados do século XIX, que nunca consideraram o impacto ambiental do progresso tecnológico, nem tal seria possível, visto que os efeitos nefastos do industrialismo produtivista só se começaram a manifestar preocupantemente na segunda metade do século XX. Não é justo exigir a ninguém no século dezanove que atinja esse nível de consciência, num prisma onde o perigo não é sequer observável. Todos os países do mundo, independentemente do seu modelo de sociedade, capitalista ou socialista, foram e são responsáveis pela situação.

Devo acrescentar ainda que são precisamente os ditos países capitalistas que mais levantam a consciencialização para o ecologismo climático. Poderiam fazer muito mais, sim, estaremos de acordo neste ponto, porém, são os membros da União Europeia, Estados Unidos (exceptuando durante a administração Trump), Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que mais empenhados se encontram nesta matéria.

Transportar o tema das alterações climáticas para o campo ideológico é das coisas mais perniciosas e nocivas que se podem fazer pela causa climática. Esse entrincheiramento de atribuição falsa de culpas ao modelo capitalista transformará a causa climática numa causa decepada e esventrada, que acabará por fracassar, pecando por escassa. Esse entrincheiramento ideológico incoerente e irresponsável atirará o debate da causa climática para segundo plano, enquanto que em primeiro plano o debate ideológico se encarregará de ocupar o lugar de destaque. E quando o palco mediático estiver repleto de discussões que envolvam a narrativa nociva do “quem tem a culpa do quê”, o debate sobre as verdadeiras soluções deixar-se-á absorver totalmente, caindo na irrelevância, transformando toda a situação num total desperdício da derradeira oportunidade de ser tomada alguma acção relevante pelo bem estar de todos.

A bem da causa climática, urge recentrar o debate onde ele deve ser colocado, nas soluções imediatas. O planeta agradecerá.