Um Plano Diretor Municipal (PDM) é um instrumento estratégico de ordenamento do território para vigorar por 10 anos, com revisão significativa a 5 anos, obrigatório para todos os municípios, devidamente alinhado e harmonizado com os PDM dos municípios vizinhos, e compatibilizado e em conformidade com os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) e com o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT). A maior parte dos  PDM já ultrapassou, contudo, os prazos da sua vigência embora estejam iniciados os procedimentos de revisão em significativo número de municípios.

A lei obriga à revisão dos Planos Diretores Municipais para incorporação das regras de classificação e qualificação do solo previstas no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), nos prazos estabelecidos no artigo 199.º do DL n.º 80/2015, para efeitos de inclusão, das regras de classificação e qualificação do solos nele previstas e esse prazo foi agora prorrogado até ao fim de 2024 (diploma aprovado em Conselho de Ministros de 21 de dezembro de 2023 mas ainda não promulgado nem publicado em DRE).

As regras que são necessárias acolher nos PDM prendem-se, sobretudo, com a nova qualificação dos solos (operada em 2014) em que deixou de haver solo urbanizável e passou a existir apenas:

Solo urbano, aquele que está total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto em plano territorial à urbanização ou edificação; e

Solo rústico, aquele que, pela sua reconhecida aptidão, se destine, nomeadamente, ao aproveitamento agrícola, pecuário e florestal.

A alteração legislativa de 2014 visou uma “efetiva e adequada afetação do solo urbano ao solo parcial ou totalmente urbanizado ou edificado, eliminando-se a categoria operativa de solo urbanizável”. Reconhecia-se na altura existirem solos urbanizáveis em demasia para uma população de 10,5 milhões de habitantes e com tendência para diminuir nas próximas décadas. Tratou-se, pois, de “eliminar” as áreas de solo urbanizável, muitas passando a solo rústico, o que é contestado por alguns autarcas sobretudo nas grandes cidades do Litoral, podendo ser apontado como obstáculo à queda de preços dos terrenos para construção.

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Com o novo quadro legal passou a verificar-se a obrigatoriedade da demonstração da sustentabilidade económica e financeira da transformação do solo rústico em urbano, através de indicadores demográficos e dos níveis de oferta e procura do solo urbano, o que em alguns municípios com forte perda populacional, se tornará equação impossível.

Num momento em que a falta de habitação nas cidades do litoral se faz sentir, note-se que a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 31/2014) tratou de estabelecer que  o desenvolvimento sustentável, a competitividade económica territorial, a criação de emprego e a organização eficiente do mercado fundiário, têm de estar garantidos nos Instrumentos de Gestão do Território de molde a “evitar a especulação imobiliária e as práticas lesivas do interesse geral”. E esse mesmo diploma permite que os bens imóveis do domínio privado do Estado, das regiões autónomas e autarquias locais possam ser afetos à prossecução de finalidades de política pública de solos, visando a regulação do mercado do solo e afastando dessa forma a especulação fundiária.

A não incorporação das regras de classificação e qualificação do solos implica a suspensão das normas dos planos territoriais em vigor, não podendo, nessa área e enquanto durar a suspensão, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a ocupação, uso e transformação do solo, o que se traduz numa severa repercussão para a ausência do procedimento de incorporação normativo.

Como o PDM vincula todos em relação ao uso e aptidão dos terrenos deveria ser um instrumento mais democrático, transparente, participado e escrutinável; e traduzir segurança jurídica aos agentes (proprietários e promotores), assegurando direitos preexistentes e juridicamente consolidados, sem contudo deixar de ser adaptativo para com flexibilidade e racionalidade aproveitar oportunidades únicas de desenvolvimento, sem ter de se recorrer a esquemas pouco transparentes como por vezes acontece.

Bastaria para tal sopesar os verdadeiros interesses em causa e o bem último que se visa proteger com o ordenamento: promoção responsável do desenvolvimento equitativo e sustentável e deixar aos órgãos de decisão locais a decisão final, ainda que com limitações objetivas severas, para que a adaptabilidade a oportunidades imperdíveis, por um lado, e a segurança jurídica e a defesa das reservas ecológica e agrícola, por outro, possam conviver sem violações de regulamentos.

Não é tarefa fácil, reconhecemos, essa adequada concertação de interesses, muitas vezes antagónicos. A lei até tem uma disposição em que sem prejuízo dos interesses respeitantes à defesa nacional, à segurança, à saúde pública, à proteção civil e à prevenção e minimização de riscos, deve – sempre que haja interesses conflituantes – atender-se prioritariamente àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais (art.º 9.º do RJIGT).

Se o instrumento PDM for – como é suposto ser – uma estratégia municipal para 10 anos, que obriga, compromete e cria responsabilidades e direitos a entidades públicas e a particulares, e que deverá também evidenciar viabilidade económica para as soluções que propõe, então teremos não só um obrigatório instrumento de gestão territorial mas já um programa estratégico efetivo e não só um cumprir de calendário e um “regularizar” de situações desconformes, mas um visionário instrumento de posicionamentos futuros para um dado município.