A Apolo 11? Crescemos juntos. Amanhã, 28 de Julho, também faço 50 anos. Excepto manter-me vivo, não fiz muito por isso: os anos foram aparecendo feitos, pé ante pé, todos alinhadinhos e sempre mais furtivos e ligeiros. É impressionante que a crescente rapidez dos aniversários contraste com a progressiva lentidão do aniversariante. A rapidez, aliás, não é apenas impressão. À medida que se acumulam, os sacanas dos anos tornam-se de facto fugazes, e curtos, dado que cada um representa uma porção cada vez menor da nossa existência. Devagarinho, chega-se aos 20. Para os 30 é um salto. Num instante, chega-se aos 40. Aos 50 nem se chega: chegam eles, de repente e sem pedir licença. Minto. Os 50 anos não se limitaram a ser feitos: fizeram-se anunciar com a persistência das sombras. Aos 40 já sentimos os 50 a caminho. Aos 45 já sentimos a ameaça dos 50. Aos 49 já nos sentimos com 50. Aos 50? Não sei, só os completo amanhã. Dá azar celebrar os anos antes do tempo.
De resto, celebrar o quê? Percebo que a época vigente é fértil em exercícios de autossatisfação. Não percebo porquê. Uma simples espreitadela às “redes sociais” descobre resmas de indivíduos encantadíssimos com as próprias virtudes e conquistas. Pessoas aborrecidas como a morrinha afirmam-se, sem gota de ironia ou dúvida, felizes, frontais, generosas, realizadas, decididas, destemidas, lúcidas, “resolvidas” (santa paciência) “empoderadas” (Deus nos acuda) e “pró-activas” (desisto). Recentemente, deparei na internet com uma senhora que se considera “guerreira”, casada com um “marido guerreiro” e mãe de dois “filhos guerreiros” – pelo menos a batalha da palermice está ganha. Em suma, trata-se da versão alargada do fresco renascentista “Pés à Beira da Piscina”, em que X deseja exibir à humanidade a alegria dos seus dias, a sensatez das suas escolhas, o arranjo cósmico que fintou biliões de probabilidades com o solitário objectivo de colocar X naquela exacta estância balnear, a suscitar a inveja dos outros. Por sorte, os outros, aos 20, aos 30, aos 40, aos 50, aos 110 anos mostram-se igualmente impecáveis e a incitar raivas alheias. Eu não.
Nunca, salvo em momentos assaz específicos e justificáveis, estive desgraçadamente mal. Nunca, salvo em momentos breves e curiosos, me ocorreu que não podia estar melhor. Nunca, até por desconhecimento das consequências das alternativas, me congratulei pelas decisões que tomei ou me arrependi das decisões que não tomei. Nunca me tive em grande ou pequena conta: procuro não me ter em conta. Tenho tido, tudo somado, sorte. E, em doses aceitáveis, alguns azares. Nas pessoas, nos lugares, no trabalho e na saúde, nos ganhos e nas perdas. Não me posso queixar, embora me queixe com frequência e ocasionalmente com razão. Se o que importa não é fazer anos, e sim o que fazemos com os anos, a verdade é que, nestes 50, fiz o que quis, o que pude, o que soube e principalmente o que calhou. Não fiz planos. Fiz asneiras das grossas. Fiz proezas das finas. Ou acho que fiz. Se fiz estas e aquelas, raramente fiz caso. Amanhã, faço 50 anos. E depois de amanhã, faço o quê?
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