Agora vivemos a fazer contas ao Autovoucher. Aquela tranquitana do quadrado colorido com as incidências da COVID já saiu de cena (as máscaras nas escolas vão ficar por quanto tempo mais?). Para beneficiar do Autovoucher há que ir à plataforma e aderir. (Não há socialismo sem adesão!) Colocar o NIF (esse número quase único da nossa condição de portugueses) mais o e-mail e o contacto telefónico. Atribuído o estatuto de aderente está-se pronto para receber o benefício, a dádiva, o apoio… resumindo o dinheiro dos contribuintes.

Racionalmente seríamos levados a dizer que existem formas mais justas de devolver aos portugueses o dinheiro que lhes é indevidamente cobrado através do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). Mas a natureza do socialismo assistido conta precisamente com essa falta de racionalidade: cobrar o mais possível em receitas fiscais e em seguida anunciar programas de redistribuição junto de grupos mais ou menos restritos de aderentes é a táctica. Feitas as contas. o saldo em matéria de propaganda é invariavelmente positivo mesmo quando vai uma enorme diferença entre os milhões anunciados que serão “dados” aos portugueses e a realidade.

O Autovoucher é o mais recente produto na grande montra do socialismo assistido em que Portugal está transformado. Temos residências assistidas, morte assistida e, como não, socialismo assistido. O que é e em que se distingue o socialismo assistido? Como o próprio nome indica, o socialismo assistido não trata das expectativas num futuro melhor mas sim das condições para que suportemos mais ou menos sedados quer a degradação do que nos resta de vida quer o espectáculo do populismo inerente a essa degradação.

E é de populismo que temos de falar para explicar como chegámos aqui em matéria de preços dos combustíveis.

Em 2016, o Governo de António Costa resolveu anunciar o fim da austeridade. Esse final passava, entre outras coisas, pelo fim da taxa extraordinária de IRS. Ora como o Governo não abdicava da receita fiscal tinha de ir buscar o dinheiro a algum lado. Onde? Às bombas de combustível que é o mesmo que dizer ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). E assim, no meio da celebração do fim da austeridade e envolto na patetice beata do discurso da descarbonização que levou a que se olhasse para a tributação dos combustíveis como se se estivesse a falar de impostos sobre o tabaco ou o jogo (como se deixar de usar combustíveis fosse uma opçãocomo deixar de fumar!) todos os portugueses — até aqueles cujos baixos rendimentos os tinham isentado de pagar sobretaxa de IRS! — começaram a pagar mais impostos. Simplesmente isso acontecia de forma indirecta quando abasteciam o automóvel. Os mais pobres foram obviamente os mais penalizados pois os portugueses mais pobres não se passeiam de bicicleta nas avenidas em Lisboa mas sim em carros em segunda e terceira mão nas cidades, aldeias e vilas do interior. Aquelas onde não se vive, não se trabalha e nem se consegue sequer levar os filhos ao infantário caso não se tenha viatura própria.

Agora em 2022, o mesmo primeiro-ministro que em 2016 usou desta forma populista o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) veste a pele de grande redistribuidor e anuncia um reforço do Autovoucher. Com o mesmo automatismo com que cumpriram e cumprem ainda as regras absurdas do confinamento, dos estados de calamidade e emergência, com a passividade com que assistiram a gente a ser multada por estar a comer sozinha dentro de um carro ou a passear num areal deserto, milhares de portugueses correm para as plataformas para se fazerem aderentes. Do Autovoucher. Amanhã será doutro programa qualquer. Ou de mais uma tarifa social… O socialismo assistido é isto: todos acabaremos aderentes.

PS. Um homem encurralado – esta foi a imagem que sobrou da longa conferência de imprensa dada por Sergey Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia após o encontro com o seu homólogo ucraniano, na Turquia. Enquanto declarava que a Rússia não atacou a Ucrânia, Lavrov dobrava e desdobrava um papel que ora guardava no bolso do casaco ora abria para ler. Quando finalmente deixava o papel em paz empenhava-se em desembaraçar os nós de um fio do que parecia ser um cabo do microfone. Sergey Lavrov que viveu nos EUA — representou a Rússia na ONU — estava obviamente consciente que a sua prestação naquela sala não convencia ninguém. Fosse por causa do cabo enredado, fosse porque Lavrov parecia uma sombra do que foi, comecei a pensar que talvez tenhamos de prestar mais atenção aos militares russos quando se pensa no futuro da Rússia. Eles, não o podemos esquecer, são os primeiros a sentir as consequências da paranoia de Putin: além de um número indeterminado mas tudo indica que muito elevado de soldados mortos os russos já perderam três generais na invasão da Ucrânia, o que dá bem conta das dificuldades no terreno. Presumo que não estarei muito sozinha na minha ignorância sobre o perfil das actuais chefias militares russas. Mas pela parte que me toca  já me sentia muito mais tranquila se alguém conseguisse apurar se entre esses militares há algum admirador de Vasili Alexandrovich Arkhipov,  o comandante de um submarino russo que há 60 anos salvou o mundo de uma guerra nuclear ao recusar dar a ordem para que o submarino onde se encontrava ao largo de Cuba disparasse um torpedo nuclear.

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