Foi no dia 19 de Janeiro passado que ocorreram factos de extrema gravidade no Agrupamento de Escolas do Vimioso (AEV), de que foi alvo um jovem aluno de 11 anos. Entre os agressores, encontravam-se dois rapazes de 16 anos, um deles irmão da vítima, sendo os restantes mais novos. Deste criminoso acto que, como já foi reportado pela comunicação social, não precisa ser descrito, importa, no entanto, destacar duas notas relevantes: a presença de uma funcionária; e que, segundo a TVI, não foi único.

A notícia é chocante, mas não o é menos a aparente inacção das entidades responsáveis, nomeadamente da funcionária que assistiu à agressão, sem a ter impedido, nem recorrido a quem o pudesse fazer, incluindo os agentes da autoridade. Também é preocupante a atitude da direcção do AEV, sobretudo se se tiver em conta que, segundo a TVI, não é a primeira vez que nessa escola acontece uma situação destas.

Reagindo a estes factos, de que o Ministério Público e a CPCJ já tomaram conhecimento, o Instituto de Apoio à Criança (IAC) manifestou, em notícia publicada no Observador, no passado dia 2 de Fevereiro, a sua preocupação: “Por serem graves e recorrentes as situações de violência, incluindo sexual, sobre as crianças, em contexto escolar, o Instituto da Criança reforça mais uma vez que só com um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas se dá um forte contributo para a prevenção e combate deste tipo de situações”. O IAC “entende que deve pronunciar-se sobre este caso que chocou o País e que vem demonstrar, mais uma vez, que factos desta natureza são ainda muito frequentes e banalizados”.

O vergonhoso caso de Vimioso é, de facto, importante para exigir que as entidades responsáveis reconheçam, de uma vez por todas, a urgente necessidade de fazer um levantamento, a nível nacional, de todos os casos – que o IAC diz serem “recorrentes” e “muito frequentes” – e para que se garanta a todas as vítimas, sem excepção, o apoio de que carecem. Não é aceitável que só a Igreja Católica o faça, até porque a incidência destes casos é muito maior nas famílias, nas escolas e nas associações juvenis.

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Depois deste horrível incidente, o Ministério da Educação não pode continuar numa atitude de sistemática negação, como se estes abusos de menores não existissem, ou pudessem ser banalizados. Infelizmente, casos destes não acontecem apenas em bairros problemáticos das grandes cidades, mas também no meio rural, onde era de supor um ambiente mais saudável em termos morais.

O facto de esta reiterada agressão ter ocorrido num meio relativamente pequeno, como o é Vimioso, representa, para a vítima, para além do inevitável trauma, danos acrescidos. Como nesse ambiente todos, decerto, se conhecem, é provável que o aluno barbaramente abusado fique para sempre marcado por este crime. Associada a sua identidade a este horrível facto, não lhe será fácil, no futuro, encarar os seus colegas, professores e funcionários. Com efeito, como poderá um miúdo de 11 anos, que foi brutalmente ofendido por oito colegas, na sua escola, continuar a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino e conviver com os outros alunos, nomeadamente os agressores?! Como pode ter confiança nos directores e professores que não foram capazes de zelar pela sua segurança e integridade dentro da escola que frequenta?! E se não for capaz de lidar com a delicada situação agora criada e a sua família não tiver possibilidade de o transferir para outro agrupamento escolar, qual será o seu destino?! Se este não foi o primeiro caso ali ocorrido e se se comprovar a negligente atitude do pessoal auxiliar e da direcção do agrupamento, quantas mais crianças poderão vir a sofrer maus-tratos nesse e noutros agrupamentos escolares?!

Não obstante algum sensacionalismo, certamente escusado, a comunicação social teve o mérito de denunciar o crime agora cometido, embora só as competentes autoridades judiciais possam pronunciar-se definitivamente sobre os verdadeiros culpados. Há, de facto, responsabilidades a apurar, por acção ou omissão, nomeadamente da funcionária que a tudo assistiu, e da direcção, que não foi capaz de evitar que uma situação desta gravidade acontecesse no AEV.

Este caso é especialmente delicado porque também os agressores são menores, embora dois deles, nomeadamente o que é irmão do jovem abusado, tenham já 16 anos e, por isso, respondam criminalmente. Sem dúvida, a comunicação social foi prudente em não divulgar as identidades, nem facultar imagens dos intervenientes neste caso. O mesmo se diga em relação à funcionária em causa, bem como aos responsáveis pela escola em que ocorreram os factos relatados, pelo menos enquanto não for apurada a respectiva responsabilidade.

A comunicação social deve denunciar estes casos, mas o julgamento dos implicados é da competência exclusiva das instâncias judiciais, por mais evidente que possa parecer a culpa dos intervenientes. E, em relação a menores, maior deve ser o escrúpulo dos media, tanto no que se refere a nomes como a imagens.

Seria bom que este comportamento modelar, em termos deontológicos, dos profissionais da comunicação social, não fosse a excepção, mas a regra que presidisse à informação sobre casos de polícia, ou de justiça. Nem sempre se tem procedido assim, nos casos de pedofilia. Decerto, a prioridade deve ser dada sempre, e em todos os casos, à vítima, mas não se combate a injustiça cometendo mais injustiças. Há que presumir a inocência, porque a culpa só pode ser afirmada depois de provada, em sede própria, e depois de terem sido dadas todas as garantias de defesa. Mas, uma vez apurada a culpa, pela autoridade judicial, é justo e necessário que a mesma seja conhecida também publicamente, para que a aplicação do justo castigo não só repare, tanto quanto seja possível, o crime cometido, mas seja também exemplar em termos sociais: o bem comum exige que nenhuma vítima fique indefesa, e que nenhum criminoso fique impune.

Este tão escandaloso acontecimento envergonha o nosso país e preocupa as famílias que recorrem ao Estado para a instrução dos seus filhos, embora seja aos pais que, em primeiro lugar, incumbe a sua educação. Pais, educadores, professores, auxiliares de educação, polícias, juízes e sacerdotes, bem como todos os que têm responsabilidades educativas deveriam ver o filme “O som da liberdade”. Através de uma história real, esta produção cinematográfica alerta para alguns perigos que ameaçam os menores e, sobretudo, apela para a urgente necessidade de uma acção concertada contra a exploração sexual das crianças. Através deste caso dramático, compreende-se melhor quão criminoso é maltratar um menor, pervertendo a sua inocência. Quando se conhece esta horrível realidade, mesmo que seja através de uma história ficcionada, percebe-se que não houve nenhum exagero numa das mais duras maldições evangélicas: “o que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço a mó de um moinho, e que o lançassem ao fundo do mar” (Mt 18, 6; Mc 9, 42; Lc 17, 1-2).