Há muitas lições a retirar do resultado eleitoral no Reino Unido, da estrondosa vitória de Boris Johnson, e consequente derrota de Jeremy Corbyn do partido Trabalhista. Uma dessas lições diz respeito à crescente polarização, ou fragmentação, do sistema partidário e à consequente ascensão do populismo que se vive um pouco por todo o mundo Ocidental, sobretudo na Europa e nos EUA. Colocam-se, assim, duas questões: qual a melhor forma de combater tendências populistas? O que é que este resultado nos diz sobre a vontade do eleitorado?

Em relação à primeira, no rescaldo do resultado eleitoral britânico, traçaram-se muitas comparações e paralelismos com o contexto norte-americano e com o Partido Democrata que se encontra em plena campanha eleitoral para as primárias e se vê a braços com duas tendências: uma centrista, mais moderada, liderada por Joe Biden, e outra virada à esquerda, personificada por Bernie Sanders e Elizabeth Warren, que defendem uma transformação mais radical e socialista na economia, na política externa, na segurança nacional, na saúde, na acção social e na acção climática.

Naturalmente há muitas diferenças entre o sistema americano e britânico (e europeu) uma vez que o espectro político americano situa-se todo ele mais à direita. Elizabeth Warren não equivale necessariamente a Jeremy Corbyn ou, para dar um exemplo nacional, a Catarina Martins. Nem Boris Johnson equivale a Donald Trump, longe disso. Mas apesar das devidas diferenças, e como têm defendido alguns analistas, o resultado eleitoral no Reino Unido pode servir como um sinal de alerta para o Partido Democrata americano e a sua divisão interna.

É um facto que o clima de crescente polarização política, que se vive nos dois lados do Atlântico, potencia vozes mais extremas em ambos os lados do espectro político. Mas se o reverso da medalha do populismo de direita e das tendências anti-sistema é o protagonismo de vozes à esquerda como Corbyn no Reino Unido, ou Bernie Sanders e Elizabeth Warren nos EUA, também é verdade que não é um discurso de esquerda radical que mobilizou o mainstream da população britânica, nem será provavelmente esse o discurso que mobilizará a base do partido democrata nos EUA e muito menos o cidadão comum americano para votar contra Trump.

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Outro aspecto relevante a ter em conta deste resultado eleitoral é o facto de os Conservadores terem vencido em círculos eleitorais tradicionalmente Trabalhistas, o que aconteceu também em alguns segmentos do eleitorado americano nas últimas eleições presidenciais, tendência essa que pode persistir nas próximas eleições. De resto, a mesma manifestou-se inclusivamente no contexto nacional nas últimas eleições legislativas quando o Chega, ainda que de forma muito menos significativa, conquistou votos em distritos onde o PCP perdeu eleitorado. Coincidência? Parece-me que não.

O que é que isto nos diz sobre o eleitorado? Que contrariamente ao que é veiculado, o cidadão comum não é um militante activo nem se define pela cor política ou pela lealdade ideológica que o sistema e as classes políticas lhes tentam impor.

Qualquer cidadão pode defender o Estado social e ser conservador nos costumes, por exemplo, ou ser progressista nos costumes e defender a liberalização económica. A maioria das pessoas quer sobretudo soluções concretas para os seus problemas. Quer mensagens simples, claras e descodificadas de todo o jargão político que tem dominado os sistemas e as elites demasiado ocupadas com o combate político para perceberem que há mais mundo para além da militância partidária e política. A ideologia interessa a uma minoria, não à maioria.

Foi isso que Boris Johnson compreendeu e, creio eu, esteve aí o segredo do seu sucesso: uma mensagem clara para resolver o impasse do Brexit no qual o país mergulhou em 2016: Get Brexit Done. Ou a promessa de Donald Trump ao eleitorado americano: To Bring Back American Jobs. E é precisamente esse tipo de mensagens – e abordagens — que têm estado ausentes no sistema e líderes políticos dos principais partidos de governação. A imagem que passa é que esses líderes estão mais preocupados em falarem uns para os outros do que para a população que dizem representar e defender.

Esta realidade é transversal a vários contextos eleitorais e nacionais, seja no Reino Unido, nos EUA, em França, ou mesmo em Portugal — um segmento do eleitorado, significativo, que não se sente representado pelas elites que têm dominado o sistema político-partidário e cujos anseios e preocupações não têm tido eco no discurso que vigora. Os populistas podem não querer saber do povo, mas falam directamente para o povo.

Estas conclusões não são novidade para ninguém mas merecem ser recordadas se queremos travar a ascensão da extrema-direita que acontece um pouco por toda a Europa.

As tradicionais linhas de separação ideológicas e partidárias estão a sofrer mudanças e as lealdades do eleitorado são hoje menos previsíveis. As prioridades são outras. Perceber e conseguir ler os sinais do nosso tempo é o desafio que se coloca aos líderes políticos de hoje se querem ter alguma relevância no futuro.

E nós, no contexto nacional, deveríamos retirar as devidas lições.