A política tornou-se um lugar aborrecido, repetitivo, previsível. Uma espécie de habitat dos adjectivos vazios onde, quando se discorda desta ou daquela proposta, desta ou daquela alternativa política, deste ou daquele modelo de País e de sociedade, se atira com um preguiçoso “radical”.

O termo transporta-nos imediatamente para as margens e para o extremismo, e tenta criar a percepção de que qualquer reformista (ou inconformista) não passa de um radical disfarçado. Um lobo em pele de cordeiro.

A táctica é tudo menos original e, para o incumbente (e a sua entourage) até pode gerar frutos eleitorais e mediáticos de curto e médio prazo. Afinal, numa sociedade envelhecida, conservadora e pouco dinâmica, o medo da alternativa tende a sobrepor-se – mesmo assim – ao pobre e atrasado status quo português.

Em resumo, adjectivar todas as oposições de “radicais” e com isso não distinguir os extremistas dos democratas reformistas é (também) uma maneira – mais cínica é certo – de matar a Democracia.

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Descrito que está o quadro estrutural (e sentimental) da Política portuguesa, tentarei nos próximos parágrafos desconstruir a ratoeira conceptual em que algum centro-direita se deixou prender. Vejamos alguns exemplos:

  1. Na semana passada, Rui Rio brindou-nos com um tweet onde defendeu a “reinvenção do capitalismo”. No mesmo desabafo digital concordou com a ideia de Muhammad Yunus – Nobel da Paz em 2006 – de que “precisamos de criar uma nova máquina económica que não seja movida pela ganância”.
    Ao ler o dito tweet – e ignorando o facto de terem sido o ganancioso capitalismo e a globalização os maiores motores de redução da fome no mundo – fiquei convencido que Rui Rio teria tido mais sucesso como pároco de Paranhos do que como líder da oposição. Afinal, só isso explica a sua “fé” em pensar que conseguiria mudar a natureza humana e extinguir – talvez por decreto (?) – a “ganância”.
  1. No seguimento do tweet do dr. Rui Rio, Daniel Oliveira – de maneira molengona e sem grande novidade – exibiu a sua típica superioridade moral e arremessou contra a direita: “A reação de muita gente de direita nada diz de Rio. Diz da radicalização da direita.
    Ora, quem tenha a infelicidade de só poder ler e ouvir o inquisidor Oliveira ficará com a ideia – injusta quanto a mim – que a direita portuguesa é hoje exclusivamente composta por perigosos fanáticos, hooligans institucionais ou minions do dr. Ventura. Não somos todos iguais, mesmo que esta indiferenciação – propositada e intencional – “da radicalização da direita” sirva o discurso de alguma esquerda.
  1. Na 2ª feira, no Público, Carmo Afonso escreveu que o PSD “se encontra num dilema”: ou disputa o centro com o PS, ou encosta-se à direita; sendo que se opta por se “encostar à direita” ver-se-á obrigado a disputar eleitorado com partidos “altamente radicalizados”.
    Em quatro palavras: pura (e grosseira) desonestidade intelectual, que tem como objectivo último construir a tese de que o quadro de valores da direita é o do Chega, e que portanto qualquer alternativa ao PS é necessariamente “radical”.

Permitam-me o desabafo: sempre que leio um cronista de esquerda (mais ou menos dissimulado, mais ou menos assumido) dissertar sobre o PSD – e sobre o quão preocupados estão com a falta de alternativa: (também) Pedro Marques Lopes no seu último artigo na Visão – fico inundado de cinismo. Felizmente é um estado de espírito que passa rápido.

Chegados aqui, será o centro-direita realmente “radical”? Vejamos alguns exemplos:

  1. Se o centro-direita democrático e reformista propõe um modelo económico alternativo, focado na competitividade da economia, na classe média e que dá primazia à redução de impostos (sobre o trabalho e sobre o capital), logo garante mais dinheiro no bolso das pessoas e das empresas, é “radical”;
  2. Se o centro-direita democrático e reformista é pela simplificação e modernização do sistema fiscal, pelo reforço das garantias dos contribuintes, pela descomplicação das obrigações e notificações fiscais e por um reforço da Arbitragem Tributária, é “radical”;
  3. Se o centro-direita democrático e reformista defende a propriedade privada, aposta na iniciativa privada, no mérito, na cultura de esforço e na concorrência, é “radical”;
  4. Se o centro-direita democrático e reformista aposta numa educação de excelência, com mais rigor, mais avaliações, mais exigência – e portanto maior igualdade de oportunidades –, menos facilitismo, enfim, numa educação que seja um motor de mobilidade social e que garanta maior autonomia às escolas, é “radical”; enfim
  5. Se o centro-direita democrático e reformista é implacável com a deterioração institucional, com a falta de integridade, de autonomia, de transparência e de independência de algumas instituições do Estado de Direito (e.g. SIS, Banco de Portugal, reguladores), e pugna pela separação entre o “partido” e o Estado, é “radical”.

No fundo, qualquer visão do mundo e da sociedade que não coincida com a esquerda, ou é “radical” ou nem sequer tem estatuto de alternativa democrática.

Assim, o problema da esquerda não está na suposta falta de alternativa(s) do PSD ou do centro-direita democrático e reformista. Ela existe e é clara. O problema da esquerda é que essa alternativa é diferente do situacionismo e do empobrecimento das últimas décadas. E, talvez por medo e alguma táctica, opte por apelidá-la de “radical”.

É por isso fundamental que o centro-direita democrático e reformista dê luta aos conceitos e preconceitos impostos pela esquerda. E sobretudo, que seja capaz de romper as cortinas de fumo mediáticas – fabricadas pelas cada vez menos discretas máquinas de propaganda do Governo – que apenas servem para entreter as claques de entrincheirados.

Como disse o Federico Jiménez Losantos na sua última entrevista ao El Mundo, “¿Por qué gana Ayuso, que es el único fenómeno realmente moderno de la derecha clásica? Porque no es de izquierdas. La derecha gana cuando pelea.