Há duas formas de combater a pandemia, matéria técnica sobre a qual nunca existirá consenso e que não pode depender de calendários políticos: ou ir ditando regras e abafando o contraditório; ou, como é próprio das sociedades avançadas onde preside a ciência e a bioética, aplicando propostas transparentes, embora discutíveis…

Vem este introito a propósito do meu recente texto “A favor de um desconfinamento faseado”, que, tendo merecido ampla divulgação, terá deixado dúvidas sobre como conciliar a retoma da economia e o regresso à “normalidade”, salvaguardando o máximo de vidas humanas.

Em resumo: se, quando, como e por onde começar o desconfinamento, em cenários que se adivinham incertos.

Três substantivos abstratos deverão estar presentes para melhor se atingir tal objetivo: a motivação de um povo que, submetido a um esforço coletivo sem precedentes, terá de se empenhar na “conquista do desejado prémio”; o que implica confiança numa gestão fiável, capaz de assinalar metas e propor programas coerentes; e, finalmente, a clareza de quem, não coxeando atrás de prejuízos, tenha a capacidade de demonstrar a necessidade das medidas que, em cada momento e local, terá de aplicar.

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Com a consciência de que cada opção levantará sempre mil reservas, mas perante a inexistência de modelos científicos universais, e na impossibilidade de aplicar práticas externas dignas de boa atenção, qualquer decisão terá de passar pela análise do nosso passado e presente e de assentar na nossa capacidade instalada.

Assim pensando, logo em março de 2020, defendi um comando centralizado, do tipo militar, para enfrentar uma “guerra biológica” que não se compadece com chefias dispersas por centenas de “responsáveis”. Como também logo sugeri como prioritária a prevenção de contágios, focada no uso obrigatório de máscara, na formação sanitária das populações e proteção civil e na precoce aplicação de planos de contingência em diversas instituições de risco.

E por muito mais me alarguei, criticando atrasos e falhas logo no primeiro confinamento e defendendo um desconfinamento mais precoce, aplicado por fases e sobre apertada monitorização e controlo. Para, no verão, denunciar a “bagunça” que ia pelo Alentejo e pelas forças de segurança, prevendo uma forte quebra turística e a eclosão de nova vaga.

Em novembro, com a experiência acumulada, era certo que, com cerca de três mil internamentos, o SNS entraria em “alerta amarelo”, deixando de responder a variadas patologias; e que com cinco mil, no “laranja”, corria o risco de colapsar. Impunha-se reforçar a testagem e prevenir novos contágios, que, à “ciência” do tempo, deveriam ser contidos abaixo de mil casos/dia.

Certezas científicas que não evitaram que pelo Natal, já em laranja-avermelhado, se tivessem escancarado as portas a recordes do mundo e as imagens de horror, que conduziram a mais um confinamento tardio e errático: encerrando atividades privadas de risco reduzido e, por flagrante impreparação, mantendo as escolas abertas.

E tudo isto e muito mais se passou sob o comando de decisores políticos há muito desacreditados, suportados por “especialistas” selecionados e sem contraditório. Será que ninguém assume responsabilidades por sucessivos fiascos, de que a aplicação Stayway ou o plano de vacinação são exemplos grotescos?

O “tratamento” de uma pandemia não difere muito da prática médica intensiva, exigindo uma direção capaz de introduzir medidas corretivas e ao minuto, em situações emergentes e em permanente mutação e que não se compadecem com prazos legais e regras pré-definidas.

A virulência das novas variantes ainda lança incógnitas, até na eficácia da vacinação, mas, à luz do atual decréscimo de novos casos e dos conhecimentos já adquiridos, não hesito em defender que Portugal já pode, com segurança, encarar o desconfinamento de setores básicos da sua economia: sobretudo no turismo interno e na restauração, entre várias outras áreas de atividade, a discutir. Certamente que com algumas restrições em certas parcelas do território onde o contágio ainda atinge níveis preocupantes, e, evidentemente, sob apertada monitorização por parte de gestores bem-informados e com poder de decisão.

E nem podia deixar de ser assim, quando se assiste a profundos avanços na estratégia do combate à doença, que permitem limitar complicações graves, baixar a letalidade e aliviar a retaguarda hospitalar. A que se irá somar o esperado contributo da campanha de vacinação, em curso.

E por que não começar pela educação, como tantos recomendam? Primeiro porque, embora menos afetados, dúvidas não subsistem de que os mais novos são os principais veículos de transmissão. E, depois, simplesmente porque não reunimos condições para tal. Passo a explicar.

Onde se está a avançar por essa via, requer-se uma testagem bissemanal a toda a população escolar, incluindo profissionais: uma impossibilidade num país em que a despistagem até tem vindo a sofrer cortes, não sendo cientificamente fiável a explicação oficial ontem adiantada: por não referir as taxas de positividade, que são das mais altas da Europa e traduzem uma forte carência na despistagem.

Liberte-se a ciência dos espartilhos político-económicos e legais, e ainda que sob controlo apertado, tenho a certeza que será possível renovar a esperança de milhões de portugueses, bem antes da Páscoa que se avizinha.

Certamente com segurança, mas também com otimismo!