Há um mito em Portugal que nos diz que é maioritariamente um país de esquerda. É um disparate. Não há países de esquerda nem de direita. Aliás, as direitas já conquistaram várias maiorias políticas em Portugal. A primeira foi menos de uma década depois do 25 de Abril. Parece que as memórias do Estado Novo não impediram uma grande vitória da direita. Desde aí, Cavaco Silva conquistou quatro maiorias (duas para São Bento e duas para Belém), Durão Barroso e Passos Coelho lideraram outras duas maiorias absolutas das direitas. O actual inquilino de Belém também vem das direitas. E, muito provavelmente, continuará em Belém mais cinco anos. Ou seja, as direitas ganharam cinco maiorias absolutas parlamentares e três eleições presidenciais; a caminho da quarta. Como é possível continuar a achar que Portugal é um país de esquerda? Pior, por que razão os líderes dos partidos de centro direita falam como se Portugal fosse de esquerda? Se Rui Rio olhasse para Portugal como um país de direita não diria que o PSD deve estar ao centro e próximo da esq uerda. Rio diz isso porque acredita que a maioria dos eleitores está na esquerda ou, no melhor, na esquerda do centro.

Apesar dos factos, haverá várias razões que explicam esta percepção, afastada da realidade. Há uma em particular que me interessa. Os líderes políticos de esquerda, por regra, acreditam que são capazes de convencer uma maioria dos eleitores a vota na esquerda. Dito de outro modo, acreditam em maiorias de esquerda, não apenas em maiorias. Este ponto é decisivo. Os líderes políticos devem acreditar que são capazes de construir e conquistar maiorias. Em Portugal, o único líder de direita que acreditou genuinamente na conquista de uma maioria política foi Sá Carneiro. Cavaco desvalorizou sempre a dimensão ideológica. Conquistou as suas maiorias, apoiado no crescimento económico da primeira década de integração europeia e, depois para Belém, através das qualidades individuais de competência e seriedade. Durão Barroso e Passos Coelho beneficiaram de dois desastres socialistas e, verdadeiramente, não tiveram que construir activamente uma maioria política.

Entre todos os líderes históricos das direitas, Marcelo Rebelo de Sousa é o caso mais interessante. Entre todos estes líderes, é o que está mais à direita. E goza de uma popularidade enorme. Todos os portugueses sabem que Marcelo é um elitista de Cascais. Ninguém desconhece as suas origens sociais. A maioria dos portugueses sabe que é Católico e conservador. Não será liberal em termos económicos, mas o Estado Novo também não era. Se Marcelo Rebelo de Sousa não é de direita e conservador, então não há qualquer político português de direita. Marcelo está muito mais à direita do que Cavaco, do que Durão Barroso, do que Passos Coelho e do que Paulo Portas. E todos os portugueses sabem isso.

A popularidade de Marcelo não se deve aos portugueses acharem que está menos à direita do que os outros. É popular porque tem um talento único em Portugal para lidar e falar com os portugueses comuns, porque tem uma empatia extraordinária, é muito simpático e sabe articular, como mais ninguém consegue hoje, um discurso popular, orgulhoso e optimista. Deste modo, também não tem grandes adversários. Foi por essas razões que os portugueses o elegerem e gostam dele. Não tem nada a ver com direita ou com esquerda.

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O próprio Marcelo acha que não tem qualquer importância afirmar-se de direita. Desconfio que até tem gosto em dissimular a sua orientação ideológica (apesar de não enganar alguém com isso). Marcelo é conservador do mesmo modo que o antigo partido Conservador, antes da liderança de Margaret Thatcher. Ninguém definiu tão bem esse conservadorismo elitista como o já saudoso Roger Scruton, no seu texto magnifico (“How I became a Conservative”). No texto, o conservador elitista, quase não-democrático, é representado por uma conhecida de Scruton, Lady Antonia (casada com Hugh Fraser, que concorreu contra Thatcher para a liderança dos Tory). Lady Antonia gostava de dizer que era de esquerda, apesar de fazer parte da elite conservadora britânica. Conhecia-os todos, e todos a conheciam. Frequenatva a casa deles, ias a festas com eles e passava férias com eles. Como explica Scruton, para Lady Antonia, ser conservadora era uma qualidade que se herdava da família. Uma pessoa nascia conservadora. Para Lady Antonia e para os conservadores elitistas, era uma ofensa sugerir que os outros, pobres e classe media, poderiam algum dia ser conservadores. O conservadorismo era uma questão social não era uma ideologia política. Para Lady Antonia, ser conservadora significava ser como ela; e não simplesmente acreditar nos mesmos princípios e valores.

Não estou a afirmar que Marcelo é como Lady Antonia. A senhora nunca alcançou a distinção académica e política do nosso Presidente. Não há comparação. Mas, seguramente, Marcelo não acredita que a questão ideológica e doutrinal seja central na vida política. O poder é para aqueles que foram educados, muitas vezes logo pela família, para o exercer e que sabem ser populares, sobretudo com aqueles que não são como eles. Marcelo não acredita em maiorias politicas e ideológicas, como por exemplo Mário Soares acreditava, mas simplesmente em maiorias eleitorais. Obviamente, Marcelo tem sucesso e acha que não deve mudar. Terá razão?

Marcelo Rebelo de Sousa sabe que a sua situação é mais precária do que parece. As maiorias assentes quase unicamente em popularidade são frágeis. Por isso, a principal preocupação de Marcelo é não criar grandes adversários. Essa preocupação fragilizou-o na relação com o governo socialista. Marcelo faz tudo para não desagradar, para não criar conflitos porque não quer adversários. Idealmente, Marcelo gostaria de ser eleito sem adversários. Permitiu, assim, comportamentos ao governo que nunca deveria ter permitido.

Quem não enfrenta grandes adversários também não goza de apoios e aliados incondicionais. Marcelo será eleito outra vez mas terá de novo um mandato político fraco. Se tivesse mobilizado toda a direita, acrescentado a isso a popularidade de que goza ao centro e à esquerda, teria certamente um segundo mandato e talvez uma votação semelhante à de Mário Soares quando foi reeleito. Mas há uma grande diferença entre Marcelo e Soares. Soares foi capaz de mobilizar a sua família política e de ser, ao mesmo tempo, popular. Marcelo só foi capaz de ser popular. Não foi capaz de mobilizar a direita. Se tivesse sido, seria reeleito na mesma e teria um mandato político mais forte. Portugal não é um país de esquerda, nem de direita. Há líderes capazes de construir maiorias de esquerda ou de direita. São as únicas maiorias fortes. As outras são frágeis. Como Marcelo muito bem sabe.