O protesto dos professores pela recuperação dos anos de serviço (seis anos, seis meses e 23 dias) tem tido uma forte adesão, tanto por parte dos profissionais do ensino como de uma grande maioria dos portugueses.

Quase 80% dos entrevistados numa sondagem realizada entre 3 a 10 de fevereiro de 2023 considera que os professores têm razão para estar “tão insatisfeitos”, e apenas 15% acha que não, de acordo com os resultados do barómetro da Intercampus para o Negócios, o CM e a CMTV.

Já perdemos a conta ao tempo que o ensino em Portugal está a sofrer com esta permanente greve que, sendo um direito inalienável consagrado constitucionalmente, está a deixar graves marcas num dos mais importantes pilares da sociedade.

Os protestos alargam-se agora às provas de aferição, e não se consegue vislumbrar, para já, até quando durará o braço de ferro entre esta classe e o governo.

Seria expectável que nas comemorações do 10 junho os professores se fizessem ouvir e alguns chegaram à fala com António Costa.

Porém, foram os cartazes que se mostravam na manifestação, com a cara do primeiro ministro desenhada com um nariz em forma de porco, que tramaram a “festa”, tornando uma manifestação revestida de total legitimidade em algo que não passou despercebido.

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Uma das funções desta classe é construir, através da transferência de conhecimento, matérias que a sociedade considera importantes para o desenvolvimento social do aluno como futuro cidadão instruído, com capacidade crítica e valores sociais.

Educar, que também é ensinar, não pode estar ausente de princípios e valores, e o que foi demonstrado nesta manifestação é exactamente o contrário da função de ensinar. É do professor que o exemplo também surge.

A situação remete-nos para a questão; seria assim que um professor ensinaria os seus alunos a lutar pelos seus direitos?

Supondo que se, numa escola qualquer, emanando uma norma interna que directamente influenciasse os alunos, estes em protesto desenhassem a cara do director em cartazes com forma de porco, estou certo que a reação não seria a melhor e todos perguntariam; mas que raio ensinam eles aos alunos?

O que vimos em Peso da Régua foi a legitimação desta forma de manifestação pela luta de um direito com cartazes a caricaturar ofensivamente pessoas. É disto que se trata e é esta a mensagem que, quero acreditar que inadvertidamente, foi dada à sociedade.

Estou certo que não será nada disto que é ensinado, da mesma forma que tenho a certeza que uma grande fação da classe não se revê nesta forma de luta.

Parece que esta estranha forma de expressão plástica, espelhando o desagrado pela forma como os professores estão a ser tratados pelo governo, com cartazes onde se mostra o “desenho” da cara de um responsável político com o nariz de porco em jeito de festa carnavalesca, não é digna da classe, o que torna de certa forma mais difícil a negociação, colocando todos numa posição indigna perante a sociedade portuguesa.

Não sei quem foi o designer desta triste ideia, mas o impacto social de tudo isto não foi o mais correcto.

Se existe de certa forma algum consenso social, e até um carinho especial por parte de toda a sociedade pela longa e legitima luta que os professores travam, parece com a adopção da radicalização, ou ridicularização, se assim for preferível, o clima pode adensar-se.

Nestas questões, como em tantas outras em que se afecta, o que torna de certa forma mais difícil a negociação, colocando todos numa posição indigna perante a sociedade portuguesa. directamente a vida das pessoas, neste caso as famílias com filhos na escola pública e principalmente os alunos, a consciência ditará que deveremos estar o mais próximo possível da compreensão daquilo que é reivindicado. Os portugueses sempre entenderam e respeitaram, estando inclusivamente ao lado dos professores, toda a problemática em redor do ensino e das suas causas enquanto profissionais.

Porém, esta caricata situação da manifestação em Peso da Régua pode criar indesejavelmente um fosso entre a sociedade portuguesa e uma classe que não pode voltar a fazer do seu protesto um circo.

Hoje, aos assistirmos à forma como tudo foi feito, fica a dúvida se é isto que é ensinado em contexto de sala de aula, e a dúvida não pode existir.

Há que acreditar na função nobre de ensinar com o objectivo de preparar os jovens para uma sociedade que, cada vez mais, perde a essência e o respeito pelos outros. São os valores sociais, democráticos e humanos que também estão na génese da evolução social que a escola tem como prioridade.

Aos professores também cabe a tarefa de contribuir para esta evolução e não podem, sob pena de se atingir uma total incompreensão social, demitir-se desta função.

O que vimos em Peso da Régua, para além de outras questões políticas, foi a instrumentalização de uma classe que não soube dar dignidade à sua luta, pondo em causa os seus pares por alguns minutos de fama em forma de nariz de porco, que lhes pode custar o que numa luta nunca se deve perder: a respeitabilidade.

Pelo menos foi isso que a minha professora de história, Maria João, da escola secundária de Mira de Aire, sempre me ensinou e até hoje não me tenho dado nada mal.