Neste momento de incerteza política é fácil cairmos na tentação de culparmos o BE e o PCP como responsáveis pela queda do Orçamento de Estado, e consequentemente do Governo, acrescentando assim à crise sanitária e à crise económica e social uma crise política. A verdade é que a culpa pela queda do governo está no líder do governo, António Costa.

O primeiro-ministro tem-nos habituado a desviar as culpas das suas decisões políticas e das decisões do seu governo. Vemos isso constantemente quando, ao longo dos últimos seis anos, banalizou situações que, em circunstâncias normais, seriam determinantes para a queda de um qualquer governo na União Europeia. Falo, por exemplo, nos casos de relações familiares dentro do governo e do clientelismo do governo, na colocação de membros da JS em cargos importantes nas instituições do Estado ou na colocação de antigos membros do governo na chefia de entidades reguladoras, nos inúmeros casos envolvendo o ministro da Administração Interna, no caso do procurador europeu, na constante retórica de ataque aos reguladores (reguladores esses escolhidos pelo governo), … e a lista exaustiva de “casos e casinhos” continua. Porém, há uma responsabilidade a que o primeiro-ministro não poderá, ironicamente, escapara queda do seu próprio governo.

Se bem pensarmos, a queda do atual executivo começa, justamente, com a queda do anterior, protagonizado por PSD/CDS, em 2015. Concordemos ou não, PSD/CDS foram os legítimos e os claros vencedores das eleições legislativas de 2015. A coligação de centro-direita, na altura liderada por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, juntou mais votos que o PS. Ora, como as boas e tradicionais práticas democráticas recomendam e mostram, em situação de minoria o Governo deverá negociar com o outro partido do centro, neste caso o PS, com vista à viabilização do programa do Governo e do Orçamento de Estado. Tal aconteceu, e tem vindo a acontecer desde sempre, nomeadamente quando Manuela Ferreira e José Sócrates conduziam os destinos dos respetivos partidos, após as eleições de 2009.

António Costa não só quis romper com essa tradição, como também quis formar uma maioria negativa no parlamento que permitisse a que o próprio governasse, camuflando assim a sua derrota eleitoral contra o antigo governo da Troika. O secretário-geral do PS, orgulhosamente, “derrubando o muro de Berlim que separava a esquerda da governação”, “reunificando” as esquerdas, tornou-se o primeiro Primeiro-Ministro em Portugal a governar tendo perdido eleições. A partir desse momento, António Costa assumiu que só passaria a negociar com a esquerda, cortando relações com o PSD e CDS. Na altura, um incontável número de comentadores e analistas alertavam para as limitações de um acordo parlamentar deste género. O primeiro-ministro, no seu estilo usual de “otimista irritante”, desvalorizou, tendo até respondido aos próprios críticos.

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Os anos foram passando, mas o primeiro-ministro não ficaria por aí. Mesmo com Rui Rio no PSD, a tentar dar mão a António Costa, com vista a responder aos desafios estruturais da sociedade portuguesa, António Costa recusou-se sempre a falar com o PSD. O secretário-geral do PS e primeiro-ministro foi ainda mais longe, quando, em agosto de 2020, numa entrevista ao Expresso, disse: “No dia em que a sua subsistência depender do PSD, este Governo acabou”. Qualquer possibilidade de trazer para o centro a governação do país estavam assim eliminadas. Se alguma dúvida houvesse sobre com quem o primeiro-ministro queria falar, estavam agora esclarecidas: ou o governo fala, e se entende, com a esquerda, ou o governo fica a falar sozinho, caindo.

António Costa percebeu que está a falar sozinho, e se quer manter as “contas certas” não pode dar ao PCP e ao BE aquilo que eles querem. O primeiro ministro tentou tudo o que podia para se manter no poder. Foi, aliás, esse o seu único desígnioestagiar no cargo de primeiro-ministro, para depois dar o salto para a Europa. Pelos vistos, parece que o estágio está perto de acabar um pouco mais cedo que o previsto.

O primeiro-ministro tentou humilhar a direita a todo o custo, mas, com isso, humilhou-se politicamente. O primeiro-ministro é, assim, o único responsável pelo que se está a passar, pois foram várias as oportunidades que teve para trazer estabilidade à governação. Não só não quis fazê-lo, como se recusou a assinar acordos com seus antigos parceiros de geringonça, após as legislativas de 2019. Caso para dizer: “ Senhor Primeiro-Ministro, quem semeia ventos, colhe tempestade”, e esta tempestade política ainda agora começou.