Terá lugar no final desta semana em Lisboa, no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica,  a 10a conferência (bienal) da Michael Oakeshott Association. É de certa forma uma feliz coincidência: há poucas semanas, a revista The Economist dedicava um editorial e um longo ensaio ao conservadorismo liberal, colocando Oakeshott, ao lado de Burke, como nobres referências cruciais dessa tradição política (que a revista elogiava).

Diferentemente de Edmund Burke (1729-1797), todavia, Michael Oakeshott (1901-1990) não teve intervenção político-partidária. A paixão da sua vida foi a Universidade, que serviu primeiro em Cambridge (onde dirigiu durante muitos anos o prestigiado Cambridge Journal), e depois na London School of Economics, onde dirigiu o Departamento de Ciência Política (1948-1969). Durante a II Guerra, serviu como voluntário nas Forças Armadas britânicas — tendo sido sempre um crítico intransigente do nacional-socialismo nazi e do comunismo.

Oakeshott foi sobretudo um estudante e um professor da história do pensamento político ocidental. Foi neste âmbito que sugeriu um olhar original, nem sempre percepcionado pelos leitores activistas de Oakeshott. Não sendo possível tratar aqui em detalhe a originalidade desse olhar, ela deve ser pelo menos mencionada.

Basicamente, Oakeshott sugeriu que a distinção política crucial na história política ocidental não é entre “esquerda vs. direita”, mas entre o que designou por “política de fé (ou de perfeição) vs. política de cepticismo (ou de imperfeição)”.

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No mundo moderno (sobretudo após a revolução francesa de 1789), a principal expressão da política de fé tem sido o que Oakeshott designou por “racionalismo em política”. Trata-se de uma fé ilimitada na chamada “Razão” — em regra percepcionada em oposição à fé religiosa (sobretudo judaica e cristã), ao conhecimento tácito e não técnico, à experiência vivida e à tradição.

Esta fé ilimitada na “Razão” leva os racionalistas a abraçarem uma visão autoritária da ação política. Fundados nas alegadas “certezas científicas”, acreditam que a política deve ser dirigida por especialistas (“racionalmente esclarecidos”) e deve visar a “libertação” das pessoas comuns relativamente aos seus modos de vida habituais — que padecem do pecado original de não terem sido “desenhados pela Razão”.

Embora os defensores do “racionalismo em política” se reclamem insistentemente da liberdade e do povo, a sua fé ilimitada na Razão torna-os dogmáticos e autoritários adversários dos modos de vida descentralizado das pessoas comuns. O racionalismo em política e a política de fé geram um entendimento da sociedade como se esta se tratasse de uma “associação empresarial” — que deveria ser dirigida pelo estado e seus “gestores esclarecidos pela Razão”, em direcção a um propósito centralmente desenhado e contra os modos de vida descentralizados da sociedade civil e das pessoas comuns.

No Ocidente, desde a velha Atenas, esta política de fé racionalista (de certa forma associada a Platão) emergiu felizmente em concorrência com uma visão rival (de certa forma associada a Aristóteles), que Oakeshott designou por “política de cepticismo e de imperfeição”. Porque se funda no reconhecimento da nossa imperfeição humana e da nossa falibilidade, a política de cepticismo favorece a dispersão de poderes, a liberdade de usufruto de modos de vida espontâneos e não centralmente desenhados. Por isso, a sua principal preocupação reside na limitação do poder do estado e na proteção da liberdade pela lei. Em vez de “associação empresarial” com um propósito centralmente definido, a política de cepticismo e imperfeição entende a sociedade como “associação civil”, sob a regência da lei e sem uniformização de propósitos particulares.

Oakeshott argumentou em seguida que, no Ocidente moderno pós-1789, a principal sustentação da política de cepticismo e imperfeição emerge do que designou por “disposição conservadora”. Esta disposição não é um programa nem uma cartilha, é uma atitude. No centro da disposição conservadora, segundo Oakeshott, está uma disposição para usufruir (a disposition to enjoy) modos de vida descentralizados em que as pessoas se sentem confortáveis, precisamente porque esses modos de vida não lhes foram impostos por ninguém. Esta disposição para usufruir gera um agudo sentido de “risco de perda” — e por isso sustenta uma profunda desconfiança relativamente a utopias revolucionárias (ou contra-revolucionárias), à centralização política ou tecnocrática, a governos distantes e visionários — numa palavra, uma profunda desconfiança relativamente às políticas de fé e de perfeição.

Foi a este entendimento da “disposição conservadora” como política de imperfeição que The Economist se referiu elogiosamente — em meu entender, com toda a razão. Acresce que Oakeshott defendeu ainda que a política de imperfeição nunca poderia aspirar à supremacia absoluta: em primeiro lugar, porque isso chocaria com o seu cepticismo relativamente à possibilidade de atingir uma sociedade perfeita; em segundo lugar, porque essa “sociedade perfeita” seria tremendamente aborrecida — uma vez que lhe faltaria o estímulo dos desafios gerados pela concorrência entre perspectivas rivais, incluindo os desafios da política de fé e de perfeição.

Em suma, Oakeshott recusou a uniformização, qualquer que fosse a sua cor política. Defendeu pelo contrário, e à semelhança de Burke, a necessidade de uma conversação permanente e civilizada entre perspectivas diferentes, muitas vezes rivais; e defendeu o dever crucial da disposição conservadora liberal de tentar manter o equilíbrio e a moderação no decurso dessa conversação. Nesta conversação civilizada e permanente entre perspectivas rivais — sob a protecção da lei e de um estado pequeno limitado pela lei — Oakeshott identificou umas das características distintivas da civilização ocidental e do progresso material que lhe está associado,