Em Espanha, confirmado o fracasso anunciado da dupla tentativa de investidura de Alberto Nunes Feijóo, o processo visando a formação do Governo segue os seus trâmites legais que passarão pela indigitação de Pedro Sánchez e pela sua posterior apresentação à investidura. Um processo que decorre do normativo constitucional e que, como tudo indica, levará à recondução de Sánchez como presidente do Governo. Um desiderato que implicará cedências passíveis de colocarem em causa, num primeiro momento, a classificação de Espanha como um Estado de Direito e, a médio prazo, a manutenção da integridade territorial do país.

Um processo relativamente ao qual a recente ação concertada de dois inimigos figadais – a ERC e o Junts – no Parlamento da Catalunha tem de ser chamada à colação. Assim, esses dois partidos conseguiram aprovar duas exigências para viabilizar a investidura de Sánchez: uma amnistia para todos os implicados em ações separatistas a partir de 2013 e a exigência de que, durante a legislatura, Sánchez trabalhe para um referendo visando a independência da Catalunha.

No primeiro caso, malgrado a Constituição de Espanha não mencionar uma única vez a palavra «amnistia», poucas dúvidas restam de que a dupla Pedro Sánchez – Yolanda Diaz vai conseguir dar a volta ao texto. Por isso, Yolanda criou um grupo de peritos em Direito Constitucional para, através de mudanças semânticas, viabilizar uma situação que não representa um virar de página, mas uma forma de comprar a investidura à custa dos mais elementares princípios da igualdade de todos os espanhóis perante a justiça.

Quanto ao segundo elemento, apesar de a porta-voz da ERC na investidura de Feijóo, Teresa Jordá, ter terminado a intervenção, marcada por um ignóbil amontoado de impropérios, com a mensagem «Catalunha livre!», a amenização dos termos utilizados na segunda exigência catalã deixa implícito que, por agora, Sánchez só precisa de se comprometer com a criação das condições para a realização do referendo. Uma situação transitoriamente necessária para não colocar em causa a investidura.

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Aliás, os verdadeiros problemas para o sanchismo também não começam aquando da formação do Governo. A relação quase simbiótica entre Pedro Sánchez e Yolanda Diaz ajuda a prever uma fácil distribuição de pastas, malgrado o Podemos conviver mal com a subalternidade a que o excessivo protagonismo de Diaz, que se considera dona do Sumar, o está a condenar. Uma subalternidade de que a não atribuição de porta-voz parlamentar constituiu um exemplo claro. Por isso, as principais figuras do Podemos já estão a usar o espaço público, designadamente a rede, para exigirem a continuação de Irene Montero à frente do Ministério da Igualdade. Tudo em nome do ativo logrado pelo partido outrora liderado por Pablo Iglesias no que concerne à luta feminista e aos temas fraturantes.

Assim, é altamente previsível que as dificuldades se façam sentir sobretudo após a formação do Governo, porque quem se coloca nas mãos de partidos independentistas não desconhece que o preço a pagar pode ser elevado, mesmo por parte de um político como Sánchez que, à boa maneira populista, articula o discurso visando apenas a luta pela hegemonia. Um preço que Sánchez tem vindo, paulatina e sorrateiramente, a tentar baixar. Daí que, na Catalunha, nas recentes eleições gerais, o PSC tenha vencido à custa da descida da ERC. Uma estratégia da qual os independentistas fingem não se aperceber.

Sánchez acredita que um novo mandato lhe permitirá reconstruir os corpos intermédios para que funcionem como seu megafone oficial. A regra populista. É nessa linha que se insere a afirmação – ou advertência – de que o PSOE não é pertença dos barões do passado, mas dos militantes. O processo de construção do povo socialista e do líder carismático precisa de inimigos

Por agora, Sánchez acredita que a sua manutenção no Palácio da Moncloa lhe permitirá tomar efetivamente as rédeas do poder e controlar tanto os aliados como os independentistas. Uma tarefa já de si hercúlea, mas a que deverá ser acrescentada a circunstância de metade dos espanhóis não se reverem no sanchismo.

O tempo encarregar-se-á de provar se essa metade de Espanha, acrescida das prováveis dissidências internas, lhe concede tempo para tal. A democracia agradece – e merece – que não!