Domingo 30: contagem decrescente, Agosto está aí à porta, a Jornada também (e que bela palavra esta…”Jornada”). Apesar de há muito ir acompanhando alguns bastidores da Lisboa-23, a minha capacidade de me espantar com o que vejo e ouço é ilimitada: como foi possível esta dedicação também ela sem limite? A personificação in loco e ao vivo da responsabilidade e do compromisso, religioso, político, cívico? O trabalho de sol a sol, há meses e meses – sem holofotes, elogios, reconhecimento publico, salário, férias – de dezenas de milhares de anónimos voluntários de quem nunca ninguém saberá o nome? De centenas e centenas de esforçados trabalhadores – Carris, CP, bombeiros, policias, técnicos, eletricistas, jardineiros e por aí fora. Foi assim, a Jornada ergueu-se do nada para o tudo. Fê-lo em regime de dedicação full-time e pro-bono, cruzada com coordenação e acerto politico (o que se saúda, em maré alta de desacertos políticos). Eis o que deve ser contado, recontado e depois voltado a contar.

No recato dos múltiplos trabalhos preparatórios, houve milhões de ideias, propostas, escolhas, decisões, ensaios a cargo de equipas variadíssimas; ouviram-se risos e viram-se sorrisos, conheceram-se desacordos, tensões e aflições, num solo semeado de júbilo e alegria. E como falamos da natureza humana sob desafio, houve também contratempos, erros, surpresas adversas, gaffes, falhas de comunicação. Mas o que é a vida senão o entrelaçado correr de tudo isso? O que esta feito é porém de tal maneira assombrosamente inédito que ainda antes do subir do pano merece louvor e registo. Tanta e tanta gente de roda da sua vida com Deus, unida a rezar, a reflectir, a cantar, a contar, a ouvir? Porque vieram? Porque “abriram uma janela” como o Papa Francisco lhes sugeriu em Agosto do ano passado na entrevista que me deu? Porque à sua maneira são a “Igreja em Saída” que Francisco pede? Porque é deles a tarefa de conduzir o mundo nos caminhos da fé?

Seja o que for – e será tudo isto – vieram.

Segunda, 31: entro em Lisboa manhã cedo vinda do oeste, cidade quase deserta, circulação fluida, gente dispersa, tanto medo me meteram, sugerindo a fuga e não a permanência. Claro que o dia 31 não tem “agenda” o que explica uma Lisboa quieta mas às vezes parecia que nos avisavam contra os malefícios da guerra e não das boas vindas a uma celebração deste tamanho. Nos últimos meses tive por vezes a embaraçante “impressão” de haver duas jornadas que corriam em paralelo: a real, no terreno talvez há mais de dois anos, e a outra. Irreal? Não. Conflituosa, talvez: muita informação a começar pela negativa, semeando desnecessários “nãos” (“não vai estar pronto, não haverá isto, não deverá haver aquilo”); o direito dos contestatários a serem contestatários sempre em relevo; a polémica, quantas vezes fútil, sempre dada a ver com desvelo. Não é fácil de explicar ou de contextualizar isto porque logo me responderão com outro direito – o da informação — mas quando o mais imbatível argumento — o dever de informar – se confunde por vezes – por vezes, repito — com um obstinado bota abaixo que nem o mais feroz anti-clericalismo pode explicar, eu fico cheia de pena: como se pode escolher a sombra e não eleger a luz?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Terça feira,dia 1: Há momentos em que palavras não nos acodem. Aconteceu-me hoje de tarde na grande missa que inaugurou esta Jornada. Em vão procurei adjectivos, fórmulas, frases, antecipando a meio do inútil exercício como qualquer delas ficaria sempre irremediavelmente aquém do que eu lhes pedia. E então, de repente, solitariamente sentada numa cadeira no Parque Eduardo VII, dei comigo a usar lágrimas em vez de palavras. Só elas continham o poder de descrever a força do anúncio contido naquela massa compacta de gente tão nova, ali pousada.

Era de facto indizível o que os olhos abarcavam até ao fim do azul do Tejo que ao longe já se confundia com o azul do céu. Envoltos pela luz de Lisboa milhares e milhares de jovens celebravam a alegria da fé. Soltos, livres, simples, disponíveis. Jubilosos. (Talvez por saberem que lhes compete construir a entrada nova que Deus precisa que seja aberta na Igreja de hoje?)

O verbo inspirado de D. Manuel Clemente que presidiu a celebração (explicando-nos tão bem o sentido e a necessidade do “partir apressadamente de Maria”, mote da Jornada); a orquestra dirigida por Joana Carneiro, a força tão impressiva das vozes do imenso coro, prolongavam naturalmente o Evangelho comprometido dos jovens no relvado.

Com que palavras se explicam ou definem momentos com a força, o impacto, o desafio dos testemunhados esta tarde?

A Jornada já começou, a organização não teve falhas -e que empreitada! – a disciplina bem educada de tudo e de todos foi exemplar. Há uma marca da casa que já está impressa. Que o mesmo é dizer que se anunciam dias felizes e igualmente exitosos. Eu se fosse Carlos Moedas estaria hoje mais que satisfeito. E os seus companheiros “de jornada” também, Igreja, Governo, voluntários.

Eu vi.