“Cada cabeça um voto” é um péssimo método, mas provavelmente não há melhor (parafraseando Churchill). Isso não significa que não o possamos piorar.

Lembro-me de Cavaco Silva, quando perdeu a eleição presidencial para Jorge Sampaio, em 1995, ter dito, elegantemente, que “o povo tem sempre razão”. Foi uma declaração politicamente correta, mas sem correspondência na realidade. O facto é que a maioria pode tomar péssimas decisões.

As motivações para votar são díspares e frequentemente egoístas. Há quem vote num partido para contrariar o patrão; há quem vote num candidato porque tem os olhos bonitos.

John Stuart Mill tinha a esperança de que o envolvimento da população na política a tornaria mais preocupada com o bem comum. Os cidadãos passariam a ver além dos seus interesses imediatos e a adotar uma perspetiva alargada e de longo prazo.

O problema é que Mill viveu há 150 anos (1806-1873) e no seu tempo poucos países tinham governos representativos, e mesmo nesses a participação política estava longe de ser universal: era normalmente atividade exclusiva de uma elite educada.

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Já Joseph Schumpeter, escrevendo no século XX e, por isso, com a possibilidade de analisar um maior número de experiências democráticas, chegou à conclusão de que, ao contrário do que idealizava Mill, a participação política tornava os cidadãos “primitivos” e levava-os a tomar decisões que os próprios classificariam como infantis quando estavam em causa os seus próprios interesses.

Tendo a concordar com Schumpeter. Quando se promete ao reformado um aumento na pensão, a última das suas preocupações é a sustentabilidade do sistema de segurança social; quando se promete um aumento do salário mínimo – algo que um governo faz por decreto –, quem o recebe não quer saber de onde vem esse aumento: se é a empresa que o paga, ou se, pelo contrário, são os contribuintes que a subsidiam, sendo forçados a prorrogar artificialmente a vida de uma empresa ineficiente.

O egoísmo dos eleitores faz parte da natureza humana, e a natureza humana existe, ainda que queiramos convencer‑nos de que nos encontramos acima dessa condição animal. Quanto mais um partido político explorar os interesses egoístas dos eleitores, mais possibilidade terá de captar votos.

A maioria pode tomar más decisões, não só por causa dos interesses próprios de curto prazo de cada um dos eleitores, mas também porque a maioria tende a não ser especialista nos assuntos em que é chamada a pronunciar‑se (em especial nos referendos). Por isso existem as constituições, escritas ou não, que estabelecem direitos fundamentais e limites à sua própria revisão: para protegerem o povo de si próprio.

Para além dos problemas das decisões por maioria, coloca-se uma questão adicional: qual é o universo a partir do qual se pode formar uma maioria? Quem deve poder votar?

Antes do sufrágio universal a democracia era restrita. Por exemplo, segundo a lei eleitoral portuguesa de 1911 podiam votar os cidadãos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. (Subentendia‑se que os “chefes de família” fossem homens, mas houve uma mulher, Beatriz Ângelo, que pôde votar por alegar que, sendo viúva e tendo uma filha menor a cargo, se enquadrava no conceito de “chefe de família”). Esta restrição talvez não fosse tão absurda como possa parecer hoje em dia: considerar‑se‑ia, talvez, que só um “chefe de família” poderia ter experiência de vida relevante para exercer uma ação política – sabia o que custava trabalhar, pagar impostos e sustentar uma família (o conceito de “diligência de um bom pai de família” consta ainda – presumo que por pouco tempo – do Código Civil).

Atualmente o sufrágio universal, com “um voto por cabeça”, é geralmente assumido pelas democracias representativas como sinónimo da democracia perfeita, como o único modelo admissível, mas há quem o conteste. O cientista político americano Jason Brennan, por exemplo, defende abertamente a “epistocracia”, modelo em que os cidadãos não têm um direito automático a votar, mas pelo contrário, têm que o adquirir através de um qualquer processo que demonstre que são competentes ou estão suficientemente bem‑informados. É difícil perceber como um tal processo funcionaria na prática.

Penso que, com todos os seus defeitos, não há, neste momento, melhor opção democrática do que a do sufrágio universal.

No entanto, questão diferente é saber a partir de que idade pode haver sufrágio universal. Aqui entramos num tema da atualidade, ligado a propostas de revisão constitucional que, aparentemente, irão propor o direito a voto a partir dos dezasseis anos. Uma aberração, como pretendo demonstrar.

Alargar o voto a quem tem entre dezasseis e dezoito anos tem um único objetivo: explorar a inocência dos adolescentes, que são, pela sua própria natureza, permeáveis a ideias vagas e demagógicas e profundamente ignorantes em relação ao funcionamento da economia e das estruturas sociais. Serão estes os alvos privilegiados de propostas irrealistas e inconcretizáveis, que apelam a um mundo idealmente justo e solidário, sem se saber ao certo o que isso significa, nem o que implica, nem que o que custa.

Como dizia um adolescente “ativista Antifa” (ambas as palavras merecem estar entre aspas) americano, enquanto manobrava confortavelmente uma consola no sofá: [é justo partir montras dos Starbucks porque] “a alt-right diz que os jogos de vídeo japoneses lhe pertencem, mas não é verdade; pertencem a todos”. Nem todos os adolescentes são tão primários, mas a probabilidade de o serem é elevada. Eu também já tive dezasseis anos.

O voto aos dezasseis anos é a luta natural do Bloco de Esquerda, porque é nessa idade que os cérebros são mais maleáveis e permeáveis a sub-reptícias definições de linguagem, como “o que é ser de esquerda”: é ser “justo, solidário, insubmisso”, diz um delicioso (mais um) cartaz do BE. Se me julgo justo, solidário e insubmisso, sou de esquerda.

Deixemo‑nos disso e mantenhamos alguma clarividência. Percebo que o BE goste do voto aos dezasseis anos, porque é um partido eternamente adolescente. É inaceitável que partidos com um mínimo de maturidade e responsabilidade o aceitem.

Voltando a Schumpeter: cidadãos adultos tendem a tomar decisões infantis quando estão em causa os seus próprios interesses. Mas calma, também não precisamos de que sejam as próprias crianças a tomar as decisões.

PS: O título desta crónica é também o de uma canção de Billy Idol.