No discurso do Papa, no dia 3-8-23, na Cerimónia de Acolhimento da Jornada Mundial da Juventude, no Parque Eduardo VII, Francisco disse: “Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos. Para todos! Na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos, assim como todos [sic]. E Jesus disse isso claramente quando chamou os discípulos para o banquete de um senhor que o tinha preparado e disse tragam todos: jovens e velhos, doentes e sãos, justos e pecadores. Todos, todos, todos. Na Igreja há lugar para todos. ‘Padre eu sou um desgraçado ou uma desgraçada. Há lugar para mim?’ Há lugar para todos, juntos, cada um na sua língua. Cada um na sua língua repitam comigo: todos, todos, todos. Esta é a Igreja, a Mãe de todos.” No dia anterior, na celebração de Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos, o Papa Francisco tinha dito: “Na barca da Igreja, deve haver lugar para todos: todos os batizados são chamados a subir para ela e lançar as redes, empenhando-se pessoalmente no anúncio do Evangelho.”

Que bonita manifestação da magnanimidade da Igreja, que é católica porque é universal. Não se confunde com nenhuma etnia, nem raça, nem ideologia, nem língua, nem cultura ou, até, civilização, porque transcende todas as civilizações, culturas, línguas, ideologias, raças e etnias.

Foi este espectáculo da universalidade cristã, católica, que os lisboetas puderam observar durante a Jornada Mundial da Juventude: uma multidão de um milhão e meio de jovens e não tão jovens, de diferentes línguas e culturas, de muito variadas origens, de diferentes idades e graus de instrução, de diversas tendências políticas e culturais, mas irmanados pela mesma fé católica, unidos na mesma caridade universal, alimentados pela mesma esperança sobrenatural. Um povo feito de muitos povos, uma nação que congrega todas as nações do mundo, uma multidão de muitos indivíduos que é um só: Cristo vivo na sua Igreja.

Motivados pela palavra de ordem do sucessor de Pedro, é também o Papa quem nos alerta para o perigo do imediatismo sentimental, do aproveitamento publicitário da fé, como se fosse um slogan comercial ou, pior ainda, uma afirmação oportunista, vazia de conteúdo doutrinal. Daí a sua prudente advertência: “quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias.

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Alguém disse, com redobrada razão, que a superficialidade não é cristã. É, até, o oposto da sabedoria da fé, que se define por ser, como a ciência, conhecimento pelas causas, até chegar, como pretende a filosofia, ao saber dos primeiros princípios.

Todos, todos, todos”, porque a Igreja é católica, ou seja, universal. Todos, sem excepção, somos por igual imagem e semelhança do Criador, todos somos chamados à conversão pessoal, porque todos somos pecadores: que bonito exemplo o do Papa Francisco, confessando-se na Basílica de São Pedro, precisamente para nos fazer ver que todos – desde o Papa até ao último fiel! – precisamos de nos converter, através dos sacramentos, nomeadamente o da Reconciliação e Penitência.

Também todos precisamos de cuidados médicos, porque todos temos as debilidades inerentes à nossa condição humana. A imagem da Igreja-hospital é especialmente cara ao Papa Francisco, porque nos ensina que, de modo análogo a como nenhum hospital pode recusar um doente, por mais dramático que seja o seu estado, também a Igreja não pode fechar as portas a ninguém, por mais horríveis que sejam as suas faltas. Mas esta analogia também recorda que “todos, todos, todos” precisamos de nos curar, ou seja, de nos converter.

De igual modo, ninguém deve ser privado da instrução necessária ao exercício da cidadania. A esse direito universal corresponde a obrigação de respeitar os mestres e aceitar os seus ensinamentos. Na Igreja, exige-se a identificação, na teoria e na prática, com Jesus, que é o Mestre. O ensino da doutrina cristã, que nem o Papa, nem os Bispos, nem os sacerdotes podem alterar, é o que se designa por Magistério da Igreja.

Não basta que alguém, que se encontre mal de saúde, seja recebido no hospital, pois é necessário que se deixe tratar. Não compete ao doente ajuizar o que é patológico ou não – é da natureza de algumas doenças psiquiátricas, como o alcoolismo, a sua negação pelo paciente – mas aceitar o diagnóstico clínico e a correspondente terapia. A Igreja, como hospital de campanha, está aberta a todos, mas só poderá salvar aqueles que se quiserem curar. Não interessa o sexo, idade, ou as tendências, desde que haja um propósito verdadeiro de conversão. Muitos dos grandes santos foram, antes, grandes pecadores, como São Pedro, que negou três vezes a Cristo; ou São Paulo, que participou no martírio de Santo Estêvão.

Talvez alguém possa pensar que uma Igreja que exclui aqueles que vivem à margem dos seus ensinamentos morais, nomeadamente no que respeita à vida sexual, já não é a Igreja a que se refere o Papa Francisco, nem a Igreja universal, ou seja, católica, fundada por Jesus Cristo. São os que assim pensam que querem fazer, dos ensinamentos da Igreja, um conjunto de “falsidades” e de “palavras vazias”. Como, na conferência de imprensa no voo de regresso a Roma, o Papa explicou, “a Igreja está aberta a todos, mas isto não quer dizer que os sacramentos estão abertos a todos da mesma maneira, porque existe uma lei, que regula a vida da Igreja”. Um exemplo: em princípio, os padres não podem casar, nem os casados podem ser padres. Todos os medicamentos estão disponíveis para todos, mas cada doente só pode tomar os adequados ao seu estado.

Os que pretendem que a Igreja admita, no seu seio, os que vivem em contradição com os seus ensinamentos morais, também aceitariam, por exemplo, que se permitisse a vida sacramental, ou o ministério sacerdotal, a um pedófilo convicto?! A Jesus Cristo, como a todos nós, repugna este terrível crime e horroroso pecado e, por isso, é óbvio que, para o abusador de menores que não quer mudar de vida, ou seja, que recusa a graça da conversão, não há hipótese de administrar, ou de receber, os sacramentos que exigem o estado de graça. Da mesma forma como há que excluir da Eucaristia os pedófilos que não se queiram converter, também não podem beneficiar dos sacramentos os que vivem em flagrante contradição com a doutrina cristã, tal como foi ensinada por Cristo, vivida pelos santos e transmitida pelo Magistério da Igreja.

Este é, aliás, o ensinamento que Jesus Cristo deixou muito claro na parábola referida pelo Papa Francisco: “entrando o rei para ver os que estavam à mesa, viu lá um homem que não estava vestido com o traje nupcial. E disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo o traje nupcial? Ele, porém, emudeceu. Então o rei disse aos seus servos: Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas lá de fora, aí haverá choro e ranger de dentes. Porque são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos” (Mt 22, 11-14).

Se “são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”, quer isto dizer que, afinal, a Igreja exclui algumas pessoas?! De modo nenhum! Não os rejeita, porque a todos chama à conversão e à santidade, proporcionando-lhes os meios necessários para a salvação. Contudo, alguns se autoexcluem da Igreja que, com pesar, respeita a sua recusa dos auxílios que lhes poderiam proporcionar, não apenas a salvação eterna, mas também a felicidade terrena. Sempre foi assim: depois de Jesus ter proclamado a sua presença real na Eucaristia, “muitos dos seus discípulos retiraram-se e já não andavam com ele” (Jo 6, 66). Também São Paulo se queixou dos “muitos, de quem muitas vezes vos falei e também agora falo com lágrimas, que procedem como inimigos da cruz de Cristo: o seu fim é a perdição, o seu deus é o ventre, e fazem consistir a sua glória naquilo que é a sua vergonha” (Fl 3, 18-19). Cabem todos os que se querem converter e aceitam, na teoria e na prática, os ensinamentos da Igreja, mesmo que tenham cometido alguma falta grave, de que se tenham arrependido, mas não os querem viver numa situação objectivamente contrária aos princípios do Evangelho. Portanto, infelizmente, os “todos, todos, todos” não são mesmo todos, nem todas, ou ‘todes’!

A salvação, embora desejada por “Deus nosso Salvador” para todos, pois “quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4), não pode ser alcançada senão por meio da livre correspondência individual à graça de Deus, sem a qual o propósito divino de salvação não será eficaz. Como ensinou Santo Agostinho, “Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti” (Sermão 169, XI).