Por efeito previsível da inflação, que neste mês de Junho chegou aos 8,7 porcento, os juros estão a subir e os preços das casas não estão a descer. Sobem em quase todo o país. É cada vez mais difícil obter empréstimos. Os salários, mesmo mantendo-se, perdem valor e as famílias perdem poder de compra. Como resposta, a Câmara Municipal de Lisboa continua a construir umas centenas de casas por ano, a preços artificiais. Em vez de facilitar os procedimentos para abrir o mercado e fazer cair os preços, mas em números significativos – na ordem dos milhares. A resposta mais rápida e eficaz é aumentar o número de casas no mercado, com a consequente descida em valores de compra e de arrendamento. Em Lisboa existe uma enorme dificuldade em encontrar casa, para comprar ou arrendar, a preços comportáveis pelos orçamentos das famílias. E apesar da importante reabilitação operada pelo crescimento do turismo, muitos edifícios permanecem por reabilitar, às vezes ruas ou bairros inteiros em situação de ruina, janelas e portas emparedadas, visivelmente vazios.

Os dados de Lisboa são expressivos e nenhum outro ponto do país apresenta uma situação tão crítica. Existem dentro da cidade 26 mil casas de habitação devolutas, umas do Estado, outras de privados. O Estado, central e local, é de longe o maior proprietário de Lisboa. A Câmara Municipal, ao longo de sete anos (até ao final de 2018), disponibilizou cerca de 9.700 habitações: 1.700 novas e 8.000 recuperadas, porque estavam vazias ou devolutas. Ao todo, não chegam a 1.400 habitações por ano. A mesma Câmara Municipal tem retidas, em pedidos de licenciamento à espera de ser apreciados, e exclusivamente para fins de habitação, mais cerca de 6.000 casas. É mais do que a própria Câmara consegue pôr no mercado em quatro anos.

Outra realidade nacional, igualmente notória e preocupante, é a dificuldade de licenciamento para construir ou reabilitar edifícios, seja pela extensão e complexidade dos regulamentos, pela demora e pela imprevisibilidade dos processos, ou ainda pelo acréscimo de custos – sabendo que estes custos acabam inevitavelmente por se reflectir nos preços que as casas atingem quando são postas no mercado. Com isto percebe-se que boa parte do problema da habitação se resolve reabilitando em grande escala. Para acelerar o processo, o Estado, central e municipal, pode atacar em três pontos.

Em primeiro lugar, pode rever os diplomas legais aplicáveis à construção e, sobretudo, às operações de reabilitação. Devem tornar-se facultativas as regras que encarecem as obras para além do que o mercado consegue pagar. E não falta por onde escolher. É possível reduzir e simplificar as regras de eficiência energética, acessibilidades, ruído, infra-estruturas de gás e de electricidade, redes de telecomunicações, e quase todos os projectos parcelares – mantendo apenas, como é óbvio, as exigências de segurança, estabilidade e resistência sísmica.

Não se pode aceitar que o dono de um apartamento, se quiser mudar as caixilharias, substituindo as que tem por outras mais adequadas, com vidros duplos, corte térmico e melhor eficiência energética, tenha de se sujeitar a um processo de licenciamento e esperar, em média, dois anos (segundo os números da CML), ou até oito anos (segundo os números dos investidores).

Em segundo lugar, pode alargar o perímetro das Áreas de Reabilitação Urbana (ARU). Estas áreas são estabelecidas pelas câmaras municipais e definem zonas com exigências diferentes, para facilitar o processo de reabilitação e premiar, normalmente com benefícios fiscais, os promotores de obras em edifícios. As obras situadas dentro de uma ARU ficam dispensadas do cumprimento de certas regras; todo o processo de licenciamento é mais rápido e mais simples, ou seja, mais previsível e também mais barato. Devia-se alargar o perímetro das ARU de modo a coincidir com os limites de todo o território municipal das grandes cidades, começando por Lisboa e Porto.

Em terceiro lugar, pode disponibilizar o património público. Pode libertar a maior quantidade possível de edifícios públicos, do Estado central ou dos municípios, para que sejam transformados em apartamentos. Estes edifícios devem ser transaccionados, de preferência vendidos a promotores particulares, com a condição de uso para habitação.

Nos primeiros dez anos deste século foram construídas e postas no mercado mais de 700 mil casas. Nos dez anos seguintes, este número desceu para pouco mais de 140 mil. Ou seja, tivemos uma redução de cerca de 80 porcento na oferta. Se nos lembrarmos que, ao mesmo tempo, a procura de casa continuou a subir, como é que alguém se admira com a escalada de preços?

É chocante a quantidade de edifícios públicos que vemos emparedados, em risco de ruína, habitados por ratos, pulgas e dejectos de pombos. Fazem parte da enorme reserva de património que o Estado, ao segurar para si, impedindo que deles se façam casas e neles vivam famílias, contribui para a exacta especulação de que tanto acusa os promotores particulares.

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