O primeiro-ministro encerra esta semana a sessão legislativa no debate do Estado da Nação com razões para estar menos optimista do que há um ano. De acordo com a sondagem da Aximage para a TSF e JN, apenas 41% dos inquiridos dão ao primeiro ministro a nota de Bom ou Muito Bom, quando há um ano eram 63%, colocando-se até à frente do Presidente da República.  Marcelo Rebelo de Sousa também está menos popular, mas ainda mantém o Bom e Muito Bom da maioria dos inquiridos. A única boa notícia é a aprovação do Plano de Resiliência e Recuperação.

O ano foi especialmente difícil, até mais do que se podia prever há um ano, quando partimos confiantes para férias. Há, no que se passou, muita responsabilidade do Governo, quer na gestão da pandemia quer nos comportamentos cada vez mais frequentes de arrogância no exercício do poder e controlo do aparelho do Estado. A evolução da economia também não tem ajudado, com o Verão turístico a dar sinais que pode estar mais perdido do que no ano passado – e com razões para se olhar para o Governo como o principal responsável, tudo por causa do futebol.

O Banco de Portugal melhorou as suas perspectivas de crescimento da economia em 2021 de Março para Junho, passando de uma projeção de 3,9% para 4,8%. Mas quando olhamos para a avaliação que fazia em Dezembro de 2020, o retrato da actual situação assemelha-se mais ao que descrevia como “cenário adverso”.  Tudo indica, como também diz o banco central, que a recuperação será muito rápida, assim que as restrições forem levantadas e o horizonte seja visto como menos nublado. O passado recente tem de ter criado mais desconfiança nos empresários, já que vivemos autênticos tempos de carrossel, tira e põe restrições com três ou quatro dias para as empresas, especialmente os restaurantes, se adaptarem.

Além dessa instabilidade quase semanal das medidas de confina/desconfina, há sequelas da crise e, nalguns casos, a ausência de soluções, que têm criado igualmente instabilidade. Veja-se o caso da greve da Groundforce, um problema que se arrasta sem uma solução que estabilize a empresa e, com ela, a actividade da TAP.

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O horizonte político também está recheado de incertezas. A probabilidade de o Orçamento do Estado para 2022 ser aprovado é elevada, mas neste momento a confiança tem de ser inferior à de há um ano. Em Julho de 2020, quando o primeiro-ministro esteve no Parlamento a falar sobre o Estado da Nação, tínhamos em cima da mesa ainda a expectativa de o BE estar na carruagem. Mas o Bloco saltou e, embora se prossiga com o discurso das negociações, hoje parece altamente provável que o Governo só pode contar com o PCP e o PAN para viabilizar as contas de 2022.

O resultado do PCP nas eleições autárquicas parecem assim importantes, se não determinantes, para a posição que os comunistas vão ter no Orçamento. Em 2017, o PCP perdeu 10 câmaras, nove das quais para o PS. António Costa foi muito prudente na altura, enquanto grande vencedor, e os socialistas em geral concentraram a atenção na derrota também significativa do PSD. A história pode repetir-se no PCP e no PSD? O PCP tem apostado forte na recuperação de algumas câmaras, por exemplo, de Almada. O que fará se não conseguir recuperar nenhuma das autarquias pedidas? O mais provável é que continue a apoiar António Costa, mas quererá mudar seriamente, pelo menos, a lei laboral, alteração que o Governo terá de conciliar com a vigilância de Bruxelas, por causa do PRR.

A quebra de enamoramento dos eleitores por António Costa pode também ser importante, se considerarmos que isso pode ter explicado a fuga do BE há um ano. O primeiro-ministro vai de férias menos popular e com a maioria dos inquiridos (81%) pelo barómetro da Aximage a dizerem que se deve avançar com uma remodelação do Governo. É ainda interessante verificar que os quatro ministros apontados, Eduardo Cabrita, Marta Temido, Tiago Brandão Rodrigues e Francisca Van Dunen, têm concentrado as principais controvérsias. Pedro Nuno Santos, que tem enfrentado sérios problemas com a reestruturação da TAP e que protagonizou a controversa nomeação de Ana Paula Vitorino para a Autoridade da Mobilidade dos Transportes não aparece entre os primeiros.

É sempre difícil perceber o que leva os cidadãos a zangarem-se com quem os governa, mas os episódios recentes podem dar algumas pistas de explicação. Uma das mais importantes é sem dúvida a errática gestão da pandemia nestes últimos tempos, com inevitáveis custos para quem está na restauração e no alojamento, para não falar na cultura.

Entre os governantes, primeiro o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita que soma sucessivas controvérsias, revelando uma enorme incapacidade de enfrentar e gerir os problemas que enfrenta. O atropelamento mortal na A6 revelou uma personalidade auto-centrada e com grandes dificuldades de gerir o seu sofrimento pensando no sofrimento do outro. Quando falou pela primeira vez no assunto, acabou por falar mais de si do que na família que estava em sofrimento. Exagerando, para melhor se compreender, imagine-se apenas um país em guerra em que o seu governo fala do sofrimento que tem em vez de falar do sofrimento dos que perdem familiares.

Marta Temido mostrou ao longo da gestão da pandemia uma arrogância e uma incapacidade de trabalhar com todo o sistema de saúde que é muito difícil de racionalizar. Sim, teve um desafio muito difícil, único mesmo. Mas revelou também enorme dificuldade em aceitar as criticas, o que aliás se pode generalizar ao PS, sempre pronto para dizer que nada se pode criticar.

Tiago Brandão Rodrigues foi incapaz de operacionalizar a resposta das escolas à pandemia, nomeadamente com a disponibilização de computadores, e tem vindo a ser o rosto dos resultados menos bons do PISA, que pioraram na leitura e Ciências e estagnaram na Matemática, com perspectivas de se degradarem ainda mais. E Francisca Van Dunem é o rosto da inacção, a par da controvérsia em torno da nomeação para procurador europeu.

Numa altura em que o Governo caminha para metade do seu mandato, além das controvérsias, de políticas que se revelam negativas como na Educação, ou da inacção, como na Justiça, ou ainda de problemas que se arrastam como o da TAP, aquilo a que assistimos de igualmente grave é à captura do Estado pelo PS. O mais recente caso foi o da nomeação de Ana Paula Vitorino para o regulador dos transportes, com a socialista, deputada do PS e ex-governante a ir ao ponto de sugerir alterações ao relatório parlamentar sobre a sua nomeação. Consegue-se sempre imaginar outras atitudes possíveis que nos levam a a crer que estamos perante os novos Donos Disto Tudo, mas é difícil.

A captura dos supervisores e reguladores é um problema que parece merecer a indiferença dos eleitores, mas que a prazo nos pode custar caro, deixando o Governo livre para adoptar medidas com custos no crescimento. A recente polémica sobre os combustíveis, em que Governo e petrolíferas trocam acusações, é também extraordinária pelo silêncio da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e da Autoridade da Concorrência. Quem apoiou o Governo foi a ENSE, uma empresa do Estado.

Finalmente neste confronto com o ano passado, temos hoje uma relação entre o Presidente e o primeiro-ministro que, no mínimo, poderemos dizer que já viu melhores dias.

Quando esta semana o primeiro-ministro entrar no Parlamento para o debate do Estado da Nação encerra talvez o pior ano desde que em 2015 assumiu a liderança do Governo. A única boa notícia que tem (e temos) é a aprovação do Plano de Resiliência e Recuperação que lhe pode criar a expectativa de que melhores dias virão. Os portugueses parecem ter começado a não acreditar, mesmo descrendo igualmente na oposição. Hoje estamos perante um Governo mais fragilizado e um primeiro-ministro menos popular, que o dinheiro de Bruxelas poderá eventualmente salvar.