Devo começar pelos “disclosure” habitual dizendo que o Novo Banco é cliente da empresa onde trabalho, tal como o BES e outras empresas financeiras do grupo o foram, sendo que tenho, naturalmente, relações profissionais e de amizade com funcionários dos bancos referidos. Não significa isto que tenha acesso a números ou informações confidenciais, que, obviamente, não tenho. Por outro lado, o mesmo posso dizer de todos os bancos concorrentes do Novo Banco e que poderiam ter interesses opostos. Neste sentido, a minha posição é de equidistância institucional, mas não com as pessoas de todos os lados que estimo e respeito.

Dito isto, não há como negar a quebra do BES em 2014. De todas as justificações que possam ser dadas para o colapso do banco elas vão desaguar numa única: não havia dinheiro próprio suficiente para pagar as dívidas de clientes que não pagaram e outros que fizeram levantamentos excessivos além-mar. Claro que se poderia ir buscar mais dinheiro a outro sítio qualquer (e foi-se…) para cobrir o montante em falta, mas o mesmo não era do banco ou dos seus acionistas, era de outras pessoas. Teria que ser devolvido mais cedo ou mais tarde. Agora a causa foi falta de dinheiro próprio. Vou enfatizar porque vejo tanta gente enganada que parece que só gritando: FOI FALTA DE DINHEIRO!

Claro que o banco estava a operar, as pessoas faziam depósitos e levantamentos sem problema, o que significava que, de alguma maneira, as pessoas que geriam o banco tinham conseguido usar os depósitos (e outros esquemas hoje em processos judiciais) para cobrir essa falta de dinheiro. Portanto, quando alguns acionistas fizeram o Banco de Portugal descobrir que ali havia um problema, o regulador teria várias hipóteses sobre mesa para resolver a questão fundamental que, recordando, não se resumia a quem era o dono do banco, quantos balcões tinha, se processava bem os dados, etc. Não, o problema do banco era que faltava dinheiro. Por isso, todas as soluções que se viessem a encontrar, mais positivas ou mais negativas, mais ou menos populares, teriam que se focar no problema concreto. Ou seja, quem é que vai pagar o dinheiro que ali falta?

Uma das soluções preferidas dos políticos da esquerda seria nacionalizar o banco. Respondendo à pergunta fundamental e segundo a lógica da esquerda seria, portanto, o contribuinte a suportar o valor em falta, ficando outro banco sobre gestão da república portuguesa. Esta fórmula tem produzido resultados tão vantajosos, sendo de tal forma do agrado dos nossos benfeitores europeus que estes diriam imediatamente que não. E, como se sabe hoje, o banco do estado estava a lutar com problemas semelhantes, embora não se soubessem na altura.

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Por seu turno, a solução preferida dos políticos da direita mais liberal era deixar cair o banco. Afinal, boa parte do dinheiro tinha servido para financiar a esquerda e nada como ver esse “crime” devidamente castigado. A resposta à pergunta fundamental, neste caso, seria que quem pagava o dinheiro que faltava era o depositante. Haveria os depositantes pequenos, como nós, que depois poderiam ser ressarcidos pelo fundo de garantia que, por sua vez, teria que ir pedir dinheiro ao contribuinte. E haveria os depositantes grandes, como os outros bancos, o próprio estado, a segurança social, as empresas de grande volume de transações. Tal traduzir-se-ia numa avalanche económica de atraso de pagamentos, falências, salários em atraso, desemprego e, finalmente, o contribuinte teria que pagar tudo isto durante anos e anos sem saber quanto era o “isto”.  E nesta solução, as décadas de história do banco e todos os seus empregados seriam deitados fora.

A solução preferida pelos donos do banco da altura, pelo menos de acordo com as histórias propaladas na altura, era que o dinheiro que faltava fosse pago pelo banco do estado, deixando “tudo na mesma como a lesma” e metendo por debaixo do pano tudo o que se tinha passado. A forma como o dinheiro apareceria no fim, essa parte não se sabe porque os donos da altura não revelaram. Se calhar, bem vistas as coisas, depois destes anos todos, não seria a mais cara para o contribuinte e iria deixar felizes inúmeras figuras de destaque da nossa vida política. No entanto, quem acabaria por pagar o dinheiro em falta seria o contribuinte, com a agravante de que todos os outros bancos que nos merecem igual respeito serem prejudicados pelo facto de um dos seus concorrentes estar a ser subsidiado por debaixo da mesa de forma ilícita.

Ainda que o processo de decisão não tenha sido nesta sequência, o leitor pode começar a entender que não há substituto a pagar o dinheiro que falta, porque este não nasce do chão. Neste sentido, foi-se à procura de alguém que pudesse pagar e um alguém que não fosse o contribuinte, que estivesse disposto a entrar com semelhante montante para ter um banco em Portugal. Como a história nos pode dizer hoje, o melhor que se arranjou foi alguém que se comprometeu a fazer os esforços possíveis para maximizar aquilo que ficou. Alguém que meteu parte do dinheiro necessário para continuar a operar o banco, salvando o capital de dezenas de anos e os postos de trabalho, colocando os profissionais a recuperar o dinheiro dos clientes em falta e a contribuir como agente económico que é. Não se arranjou alguém para pagar o dinheiro que falta, mas arranjou-se alguém que minimizasse esse dinheiro e, no fim, ser possível acabarmos com algum valor.

Como sempre foi óbvio, ninguém comprou o banco para pagar o dinheiro que faltava. Nem ninguém com dois dedos de testa o faria, esse custo vai ser sempre de quem deixou as coisas chegarem onde chegaram. E esse alguém somos nós. Aquilo que aconteceu foi que se arranjou alguém que nos “emprestou” parte do dinheiro que faltava e que – porque lhe interessa também -, está a tentar minimizar esse montante. No fim, vamos pagar uma fração daquilo que seria o resultado das outras soluções e vamos ficar com metade de um banco perfeitamente operacional, dotado de profissionais de primeira água que o compõem, que tem agido na economia como um banco de pleno direito e que vai valer alguma coisa quando o “empréstimo” estiver todo pago.

Vamos ter que pagar parte? Claro. É isso que o Novo Banco tem vindo a pedir porque não conseguiu substituir essa parte do dinheiro que faltava e que, repetindo, é o único problema. O banco apresenta prejuízos porque os credores que não pagaram ao banco continuaram sem pagar e o banco está a dar como perdidos esses montantes. Foi isso o combinado entre os novos “donos” do banco e o estado. É falso que o banco apresente prejuízos porque opera mal, como alguns comentadores de jornal têm sugerido, nem isso faria muito sentido.

Por isso, é no mínimo confrangedor que a cada vez que uma das tranches é pedida ao estado apareça um exército de “magos da finança” a dizer que não se percebe porque é que continuamos a pagar ao Novo Banco. Não, não estamos a pagar ao Novo Banco, estamos a pagar o BES, para o lindo serviço que fizemos quando admitíamos tudo a quem chamávamos com piada o “DDT”. Isto quando toda a gente sabia que havia relações “boas demais” com o poder e quando os reguladores tapavam os olhos. É isso que estamos a pagar porque, por muito que se tivesse tentado, não se conseguiu encontrar quem pagasse pelo culpado que somos nós. E, já agora, gostava de saber onde andavam todos estes “magos da finança” até 2014…

Co-Fundador da Closer, Vice-Presidente da Data Science Portuguese Association, Professor e Investigador