Nome: Histórias curtas
Autor: Rubem Fonseca
Editor: Sextante
Páginas: 228
Preço: 16,60€

Histórias Curtas

Há um escritor sem ideias no mais recente livro de Rubem Fonseca mas ele não é — descansem os seguidores — o autor carioca. Aos 91 anos, o veterano juntou 38 histórias curtas num novo volume de contos e, apesar de numa delas apresentar um escritor que bate com a cabeça na parede enquanto reclama “esta frase está uma merda”, nas outras 37 continua a provar que a sua cabeça não precisa de galos porque dali ainda sai muita coisa.

Sai por exemplo um homem que só pensa em roer ossos ou outro que tem um ouriço como animal de estimação. Um magro que se insurge contra quem o chama escanzelado — “caveirinha é o caralho!” — ou um pudico que participa numa orgia de gordos. Sai até um viciado em hóstias que assalta igrejas e faz o que se poderia chamar de “rali-missas” só para satisfazer o vício. Contas feitas, saem narradores desbocados, impiedosos, perversos e muitas vezes frustrados, ou não estivéssemos num livro de Rubem Fonseca, autor prolífico que na sua vida literária sempre se interessou mais pelos que transgridem ou estão no lado errado da vida, e que aqui nos presenteia com um desfile de malucos, amputados, velhos e ladrões.

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Só gosto de mulher casada. Sou adúltero? Não, adultério é a transgressão da regra de fidelidade conjugal imposta aos cônjuges pelo contrato matrimonial, cujo princípio consiste em não se manterem relações carnais com outrem fora do casamento. Eu não sou cônjuge (odeio essa palavra, mas consorte também é uma droga), e não sendo casado não posso ser adúltero. Não que eu me incomode com isso, essas regras morais são uma merda, têm origens religiosas e nós sabemos que religião foi feita para escravizar as pessoas.” (Histórias curtas, página 101)

Ler estas Histórias curtas é saltar de perversão em perversão, ou de solitário em solitário. À semelhança do que já acontecia em Amálgama (2013), coletânea que venceu o Prémio Jabuti na categoria de contos e crónicas, ou antes disso em Axilas e outras histórias indecorosas (2011) — recentemente adaptado ao cinema por José Fonseca e Costa –, lê-las é conhecer um Brasil que não é o sol de Ipanema mas um freak show decadente (não por acaso, existe uma personagem neste novo livro que é um palhaço sem vocação num circo decrépito).

Rubem Fonseca é fiel ao seu universo, e é um prazer lê-lo nem que seja sobre flatulências — algo que é possível, aliás, no conto “O peido”. O problema é que ele escreve cada vez menos. Com uma obra vastíssima e premiada, e com 17 coletâneas de contos publicadas até à data, o autor de A Grande Arte sempre foi fã de um estilo veloz e contido mas nos últimos anos parece caminhar para uma depuração ainda mais exagerada. Essa depuração não se prende tanto com o estilo minimal dos japoneses haikus ou com os microcontos de uma Lydia Davis, mas é antes uma amputação deliberada, que primeiro passa pela aspereza tantas vezes elogiada na sua obra e às tantas se coloca como um problema literário. Pelo menos 20 destas 38 histórias não são curtas, são curtíssimas, e acabam abrupta e inesperadamente. Com ideias tão boas a saírem de uma cabeça tão brilhante, é uma pena.