“Corajosa”, “idónea”, “isenta”, “independente”, “dedicada”, “imparcial”, com um currículo “indiscutível”. Da direita à esquerda não houve quem dissesse mal do perfil da deputada e vice-presidente do PSD Teresa Morais, que foi indicada por aquele partido para o cargo de presidente do conselho de fiscalização das secretas. A votação — por voto secreto — está marcada para esta quarta-feira, mas para Teresa Morais ser eleita é preciso maioria de dois terços. Ou seja, é preciso acordo entre PS e PSD. E o PS já fez saber que não há entendimento. Nas palavras do líder parlamentar socialista Teresa Morais “não tem perfil” e está demasiado ligada “à direção partidária”.

Mas não foi o que se viu na audição desta terça-feira no Parlamento, onde deputados de todas as bancadas concordaram com a adequação do perfil de Teresa Morais para o cargo. Até o deputado do PS Jorge Lacão se limitou a “registar sem discordar” o currículo da atual deputada, que já desempenhou funções no conselho de fiscalização dos serviços de informações em dois mandatos seguidos (2004, primeiro, e 2008, depois). E a reconhecer e elogiar a sua “dedicação” e “idoneidade” durante o exercício daquelas funções.

“Registamos sem discordar dos factos e registo histórico trazidos aqui pela dra Teresa Morais”, começou por dizer o deputado socialista Jorge Lacão, depois de Teresa Morais ter elencado todo o seu percurso profissional e cargos desempenhados, nomeadamente enquanto membro daquele organismo. “Reconhecemos a dedicação com que exerceu os seus mandatos anteriores e, conhecendo o perfil dos deputados desta casa, dispensamo-nos de colocar questões sobre a sua idoneidade, assumindo que ela é inerente ao exercício de funções na Assembleia da República”, acrescentou o deputado socialista. Nem uma palavra contra. E nem uma pergunta para a auditada.

A troca de elogios foi mútua. Na resposta a Jorge Lacão, Teresa Morais viria a sublinhar que, dado que ao longo dos últimos anos os dois têm trabalhado lado a lado em diversas matérias, dizer que reconhece a sua idoneidade é suficiente. “Dizer-me que sou dedicada e que o meu currículo é adequado isso para mim basta-me”, disse a deputada social-democrata, para depois tecer vários e prolongados elogios ao ex-deputado do PS com quem partilhou no passado o conselho de fiscalização das secretas, Marques Júnior, que foi muito “pró-ativo na fiscalização” e de quem tem “muita saudade”.

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Ao longo de toda a audição, o PS não criticou em nenhuma perspetiva a candidatura de Teresa Morais, que na quarta-feira vai a votos na Assembleia e deverá ver o seu nome chumbado. Na segunda ronda, o deputado socialista João Soares (que já se manifestou contra a opção do Governo pelo nome de Pereira Gomes para o cargo de secretário-geral dos Serviços de Informações), viria a insistir no “elogio no plano pessoal”, mostrando que ser a favor da nomeação daquela candidata — não obstante a posição oficial do seu partido.

“É absolutamente óbvio que tem as qualificações necessárias e estou convencido de que terá também as qualidades”, disse João Soares, desejando-lhe “sorte” no exercício das funções caso venha a ser eleita. Mas reforçou: “Como disse e bem, é uma eleição muito difícil, que requer maioria de dois terços”. De resto, também palavras elogiosas para o antigo presidente da fiscalização das secretas, o social-democrata Paulo Mota Pinto, que agora cessa funções e não quer ser reconduzido. No fim, apenas uma pergunta para a auditada sobre o acesso das secretas aos “metadados” nas escutas pela prevenção do terrorismo.

Quando a polémica começou, com o PSD a insistir com a candidatura de Teresa Morais mesmo contra a vontade do PS, contudo, o líder parlamentar socialista tinha dito que a deputada social-democrata “não tinha perfil” para o cargo. Qual seria então o perfil adequado no seu entender? “Alguém que tenha distanciamento em relação às direções partidárias”, disse na altura Carlos César.

PSD obriga PS a votar nome de Teresa Morais para as conselho de fiscalização das secretas

“Silva Carvalho disse que eu era chata e que tinha que ser substituída por alguém de jeito”

Depois de uma primeira intervenção a enumerar o seu currículo e funções desempenhadas, para provar que reúne “as condições e requisitos previstos na lei” para aquele cargo, Teresa Morais foi questionada pelo colega de bancada parlamentar Fernando Negrão sobre se alguma vez, quando esteve naquele organismo, tinha sido um “incómodo” para alguns setores da área.

Na resposta, a deputada social-democrata não hesitou em dizer que sim, mas “ainda bem”. “Espero que a minha ação tenha sido incómoda porque é isso que tem que ser qualquer fiscalizador. Se não for, aí é que é de desconfiar”, disse, acrescentando depois que, para sua “surpresa”, chegou até a ouvir o ex-espião Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, dizer que era “chata” e que, por isso, devia ser substituída “por alguém de jeito”. Um “elogio”, no seu entender.

Tive o ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa Jorge Silva Carvalho a dizer que eu era uma chata e que tinha que ser substituída por alguém de jeito. Levo isso em jeito de elogio, e espero ter sido incómoda como tem que ser qualquer conselho fiscalizador”, disse.

E depois de Fernando Negrão ter elogiado a “imparcialidade” de Teresa Morais, que muitas vezes defendeu questões em sentido contrário ao que era defendido oficialmente pela bancada do PSD (como o caso do modelo de fusão dos serviços de informação, do qual Teresa Morais discordava), a deputada social-democrata mostrou qual era a sua posição sobre o acesso das secretas a “escutas” e “metadados” e, também essa posição, difere ligeiramente da posição oficial do partido.

“Há uma incomodidade do país acerca das escutas, embora mais dia menos dia tenhamos de lá chegar. Há trabalho prévio no país a ser feito e deve haver uma discussão aberta do tema na opinião pública, porque o país ainda não atingiu o ponto de maturação”, disse, respondendo à questão do deputado socialista João Soares.

PCP não apoia (mas voto é secreto)

Os elogios, de resto, chegaram de todas as bancadas. Não é surpresa para ninguém que Bloco de Esquerda e PCP discordam do modelo de funcionamento das secretas e, por isso, nunca votaram a favor de nenhuma nomeação para este órgão. Ainda assim, isso não impediu o deputado comunista António Filipe, e o deputado bloquista José Manuel Pureza de elogiarem os seus “enormes méritos como deputada e jurista”, nas palavras de José Manuel Pureza.

Já António Filipe disse “respeitar a decisão do PSD de apresentar Teresa Morais como candidata”. Mas, sem surpresas, o PCP não apoia a candidatura. “Não lhe manifesto o apoio do grupo parlamentar do PCP à sua candidatura”, disse António Filipe, lembrando as discordâncias de fundo que aquele partido tem sobre o modelo de funcionamento dos Serviços de Informações da República Portuguesa e o regime jurídico a ele aplicado.

Antes, Fernando Negrão tinha lembrando que, tanto em 2004 como em 2008, Teresa Morais tinha sido eleita para aquele mesmo organismo com os votos do PS, PSD e CDS, apesar de PCP e BE sempre terem mostrado “consideração e respeito pelo trabalho produzido” pela deputada. Como quem diz que, se não fosse a discordância de raiz daqueles dois partidos, também BE e PCP votariam a favor. Mas Teresa Morais viria depois a lembrar uma questão pertinente: o voto é secreto. “Por isso não sei se deputados do PCP e do BE não votaram em mim”, brincou.

Uma brincadeira que o deputado comunista António Filipe viria a acompanhar. “Por isso é que eu disse que o PCP não apoia a candidatura, e não que não vota”, disse, suscitando risos em todas as bancadas.

Sendo o voto secreto, foi esse o apelo deixado depois pelo PSD no final da audição. Falando aos jornalistas, Fernando Negrão rejeitou qualquer “cenário B” para o caso de chumbo, dizendo que ficou provado que “Teresa Morais tem todas as condições para exercer o cargo”. “Confiamos que a votação decorrerá na sequência desta audição e o único cenário que pomos é o de que a votação dignificará o Parlamento”, disse.

Sublinhou, contudo, que não há propriamente um entendimento com o PS para Teresa Morais ter luz verde. Isso não. “O que vimos aqui hoje foi que há a posição do PS, e depois há a posição de dois deputados do PS”, disse, referindo-se às intervenções dos deputados socialistas João Soares e Jorge Lacão.

O voto é secreto e decorrerá esta quarta-feira à tarde no Parlamento.