A meio da tarde já havia quem se queixasse que não havia onde pôr uma tenda. Não foi por isso de estranhar que, à meia-noite e meia, hora a que os Future Islands subiram ao palco principal do Vodafone Paredes de Coura, o anfiteatro natural da Praia do Taboão estivesse a rebentar pelas costuras. Era uma visão bonita — para quem estava do lado de cá, mas também para quem estava do lado de lá. Samuel T. Herring reparou nisso assim que pôs a vista em cima do público. De sorriso rasgado, desafiou quem por ali estava, de pé ou sentado na relva: “Let’s fuck around!”. Ninguém se fez de rogado.

Apesar de terem permanecido desconhecidos até há bem pouco tempo, os Future Islands já não são novatos nisto. A banda norte-americana — composta por Herring, Gerrit Welmers e William Cashion — juntou-se pela primeira vez há mais de uma década. Só que o primeiro álbum só chegou em 2008 e o reconhecimento vários anos mais tarde, em 2014 (com Singles e com a famosa passagem pelo programa de David Letterman). Este ano, o trio lançou The Far Field, o disco que colocou os Future Islands no seu devido lugar e que serviu de desculpa para a viagem até Paredes de Coura.

Apesar de recheado de boas músicas, a estrela de The Far Field é Herring. E foi também ele o grande protagonista do concerto desta quarta-feira. Sim, a música dos Future Islands é bem feita, mas em palco é difícil tirar os olhos de Herring, sempre sorridente, enérgico. Durante a hora que durou o concerto, o vocalista não parou um segundo. O público seguiu-lhe os passos: dançou, pulou, cantou sem parar, transformando o recinto numa pista de dança ao ar livre. Herring agradeceu em português, de mão no peito. E o público também.

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O velho e o novo no aniversário do festival “memorável”

Num dia em que apenas um dos palcos esteve a funcionar (o palco secundário, o Vodafone FM, só estará a todo o gás a partir de quinta-feira), as honras da casa couberam à Escola do Rock, um grupo de jovens músicos de Paredes de Coura que já se tornou uma presença habitual no festival. A eles seguiram-se os The Wedding Present e um concerto que foi uma verdadeira viagem ao passado. A banda (que já pouco tem da formação original) apresentou o já velhinho George Best, lançado nos anos 80, e serviu de aquecimento a outro bom rock que estava para vir — o dos portugueses Mão Morta.

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A história dos Mão Morta cruza-se inevitavelmente com a de Paredes de Coura. Além de ter sido a banda que mais vezes tocou no festival, a criação deste, em 1992, coincidiu com o lançamento de um dos álbuns mais icónicos dos bracarenses: o Mutantes S.21. Por essa razão, à edição de 2017 não podiam faltar nem os Mão Morta nem os seus mutantes.

A ideia era apresentar o álbum na íntegra, mas o concerto acabou por ter direito a alguns “desvios”, como lhes chamou Adolfo Luxúria Canibal. O primeiro foi “Até Cair” (do álbum homónimo de 1988), tema que fez o vocalista bambolear-se a valer pelo palco — como um morto-vivo. Aos ritmos rápidos de “Até Cair”, seguiu-se a atmosfera (ainda) mais negra e pesada de “Paris”. “Aqui degolei a minha amada, banhei-me no seu sangue quente e jurei amor eterno”, cantou Luxúria, com aquela voz de dar arrepios na espinha.

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Do amor cego e sem fim, viajou-se até às noites quentes de “Istambul”, um aperitivo para a não menos inflamada “Velocidade Escaldante”, outro dos “desvios” da noite. “Muitos de vocês não são deste tempo. Esta música tem 25 anos”, lembrou Luxúria. “Há 25 anos o mundo era outro e há 25 anos nascia o festival de música de Paredes de Coura.” E porque “25 anos é uma data memorável” para um festival deste género em Portugal — “basta dizer que é o festival mais antigo com edições regulares” — Adolfo Luxúria Canibal pediu que todos cantassem os parabéns. No fim agradeceu a Paredes de Coura, “a vós”, com um dos temas mais famosos da banda — “Budapeste”.

Antes do final, houve ainda tempo para um hino trágico a Berlim e uma canção dedicada à capital: “Lisboa (por entre as sombras e o lixo)”, a última da noite retirada de Mutantes. Sempre com um elogio na ponta da língua ao festival “memorável”, Luxúria Canibal e os Mão Morta despediram-se com “Bófia”. Porque “os nossos primórdios eram assim” e porque, passados 25 anos desse Mutantes S.21, os Mão Morta pouco ou nada mudaram. Afinal há coisas que permanecem na mesma — e ainda bem.

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Num dia em que o rock era rei, o cartaz trazia dois nomes arriscados — Beak> e Kate Tempest. Se a banda de Geoff Barrow, o famoso multi-instrumentista dos Portishead, acabou por se revelar uma quebra vertiginosa depois de Mão Morta, a britânica foi por ser uma agradável surpresa (ou confirmação, dependendo da situação) para aqueles que escolheram não arredar pé de um recinto já a meio gás. De língua afiada, Tempest usou o tempo que lhe foi concedido para partilhar com o público as suas melhores rimas, a sua poesia mais dura e as suas críticas mais mordazes. Foi aliás por isso que a autora de Let Them Eat Chaos — o disco que levou esta quarta-feira ao Paredes de Coura — ficou conhecida: por não ter papas na língua. E tanto faz se o tema são as selfies ou Donald Trump: da boca de Kate Tempest não saem meias verdades.