“Quem já fez novelas em Portugal está sempre preparado para a guerra.” A frase é de Pêpê Rapazote, um dos atores principais da série ‘Narcos’, cuja terceira temporada se estreia nesta sexta-feira, dia 1, na plataforma digital Netflix.

Na ficção televisiva portuguesa muitas vezes não há tempo, é tudo preparado da noite para o dia, há uma alteração da cena que nos é entregue dez minutos antes de entrarmos no set. Isso faz-nos ganhar calma e tarimba, de outra forma morríamos do coração. Durante as filmagens de ‘Narcos’ percebi que em muitos aspetos, talvez por eles também serem latinos, é preciso ter sangue frio e improvisar quase tanto como em Portugal.”

Quinta-feira à tarde, ao telefone a partir de Bogotá, Pêpê Rapazote explicava, assim, como foi participar numa série tão popular, inspirada na realidade do narcotráfico na Colômbia. Trata-se de uma coprodução colombiana e norte-americana, cujos 10 novos episódios são agora publicados na íntegra na Netflix.

O ator português, de 46 anos, interpreta Chepe Santacruz Londoño, um dos criadores do Cartel de Cali, um empório da cocaína no sul da Colômbia, controlado a partir de Nova Iorque. É uma das personagens principais e o trailer de apresentação, divulgado no início de agosto, dava conta disso.

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https://youtu.be/Ory6b2EJ3Bk

Informal e conversador, Pêpê Rapazote disse ao Observador que se encontrava na Colômbia e daí a poucas horas estaria a voar de regresso a Lisboa. A viagem à Colômbia, depois de já lá ter estado a filmar, deveu-se a compromissos de promoção. “Na quarta-feira foram entrevistas das oito da manhã às seis da tarde, completamente seguidas.”

Do ponto de vista logístico, participar em “Narcos” mostrou-lhe “uma diferença monumental de escala e de recursos”, comparando com o audiovisual português, que conhece muito bem. Nos últimos anos, por exemplo, entrou em “Bem-Vindos a Beirais”, da RTP, e “Rainha das Flores”, da SIC.

Esta série teve 70 milhões de dólares para episódios e promoção. Imaginemos que só para os episódios foram 40 milhões. Em Portugal, fazemos 300 episódios pelo preço de um episódio e meio destes. Isto tem como consequência outro nível de qualidade”, avaliou.

Trata-se da segunda experiência de internacionalização de Pêpê Rapazote, depois de, em 2013, ter entrado em dois episódios da série “No Limite” (“Shameless”), da norte-americana Showtime. “‘Narcos’ foi uma aventura fantástica, trabalhei com profissionais fabulosos, da fotografia à realização. Equipas fantásticas”, qualificou.

A oportunidade surgiu através de Guy Kochlani, da agência de atores Across the Board, sediada em Los Angeles. “Ele tornou-se um grande amigo, porque viu o meu material e deu-me apoio”, revelou o ator. “É um leão feroz, um judeu nascido em Tel Aviv e que vive há muitos anos em Los Angeles. Foi uma ajuda preciosa, porque conhece bem os meandros do mercado americano. Pediram-me uma self-tape, que é basicamente uma gravação com uma determinada cena, e aconteceu. A negociação deixei com ele, claro.”

O que precisa de saber sobre a nova temporada de “Narcos”

A série foi criada por Carlo Bernard, Chris Brancato e Doug Miro e estreou-se em 2015. As filmagens da terceira temporada duraram cerca de sete meses, a partir de outubro do ano passado, com interrupção durante o período do Natal, tendo Bogotá, Cali e Nova Iorque como cenário.

Há séries com muito tempo de gravação em estúdio, mas neste caso o décor é quase todo real, com algumas exceções. Não sendo uma produção documental, tem carácter histórico, muitos dos factos ali retratados aconteceram mesmo, daí a importância de filmar nos sítios propriamente ditos”, explicou. “A minha personagem diferencia-se das outras porque passa mais de metade da história em Nova Iorque, em cenas muito individualizadas.”

Foi fácil adaptar-se a uma personagem que fala espanhol, uma vez que viveu na Venezuela durante dois anos da sua infância, entre 1980 e 1982. “O meu espanhol não estava enferrujado e ultrapassei a diferença entre o sotaque venezuelano e o colombiano”, disse.

O ator acredita que depois de ‘Narcos’ outras oportunidades “podem surgir”, mas não se deixa entusiasmar demasiado. “Mais do que qualquer outra coisa, o que me leva a trabalhar fora do país são experiências novas que me enriqueçam como pessoa e ator. É como um jornalista que trabalha na RTP e tem oportunidade de passar uns tempos na BBC ou na CNN”, comparou.

Por enquanto “ainda não se abriram mais portas”. “Há pessoas que se aproximam, novos agentes, que me falam de duas ou três séries novas. Mas estas abordagens são normalmente sem consequência.” Ainda assim, recusou alguns papéis nos últimos meses, em Portugal, para poder estar disponível para eventuais propostas que venham de fora.

Sobre o cachet que recebeu, Pêpê Rapazote preferiu não entrar em muitos pormenores. “Há imenso investimento paralelo que se faz para se poder estar nesta posição, por isso, o que se ganha baixa consideravelmente. De qualquer forma, isso não altera um milímetro a minha vida”, afirmou.