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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A imagem do terror tem som

Dia 17 de junho. 14:43. 64 mortos. Ninguém estava preparado para o que daí vinha. Relato do fotojornalista do Observador que esteve no local durante sete dias.

Pouco passava da meia noite quando o telemóvel tocou. “É para ir para Pedrógão?” “Sim, daqui a uma hora saímos de Lisboa.”
A caminho ouvíamos na rádio as atualizações do número de mortos e feridos. “O que é que será que vamos ver?” Ninguém no carro respondeu.
Recebíamos indicações de caminhos alternativos, ligávamos a fontes, mandávamos palpites. Seguimos diretos a Figueiró dos Vinhos. Se até aqui tínhamos dúvidas para o que íamos, mal chegamos dissiparam-se. Todas.

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Vários homens tentavam controlar o fogo com ramos de árvores e enxadas. A água vinha, em baldes, muito a espaços. Já escasseava. Gritos de desespero, por ajuda, ouviam-se do outro lado da estrada. Desse lado, uma fábrica estava a pouco metros de ser consumida pelas chamas. O barulho… A imagem do terror tem som, tem mesmo.

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Pouco faltava para as cinco horas da manhã. Sem querermos, nem procurarmos, entrámos numa estrada. A estrada. Um carro, dois carros, três carros. A GNR, a impedir a continuação naquele troço, autoriza a captação de imagens. “Façam o que quiserem, desde que não me apanhem, façam o que quiserem… Já viram este cemitério?”

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Início da madrugada, e depois de subirmos a Serra da Lousã à procura de rede passamos pelo fogo novamente. “Pára o carro. Casas a arder.”

A Moita, uma pequena aldeia entre Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, está no meio de uma floresta com duas cores. De um lado preto, do outro verde. A “casa dos Anjos” ardia. Já não havia absolutamente nada a fazer. Jorge, em tronco nu, tentava há horas que o fogo não passasse para as casas vizinhas. “Esta merda vai explodir, estão garrafas de gás lá dentro.”

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Jorge era ajudado com outra mangueira por João, mais novo e com mais genica, mas com medo. Medo das garrafas de gás que pudessem explodir, a qualquer momento. Sem qualquer auxílio de bombeiros estavam ali os dois, a mandar água em vão, a pouca água que saía da mangueira não fazia por nada parar aquele fogo. O telhado cai. A imagem do terror continua com som. O das telhas a partirem-se sob um pequeno altar que Maria tinha na sua sala. Visível de fora através dos vidros das janelas partidos com o calor.

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“Deixem essa merda, molhem as outras casas. Já não há nada a fazer.” Jorge e João, se ouviram, não fizeram o que lhes mandaram, continuaram frente a frente com o fogo. Eram 7h00 da manhã.

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O preto e o silêncio abundam. Numa aldeia com 30 habitantes, 11 morreram. Onze. Ninguém nas ruas com os animais (não resistiram grande parte deles), ninguém nos cafés, nem ninguém à porta de suas casas a falar com os vizinhos. Muitos deles perderam os vizinhos.

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Há pais que não sabem dos filhos. “O meu filho fugiu de carro. O carro foi encontrado mas ele não… Eu encontrei dez corpos mas falta-me encontrar o mais importante… O do meu filho.” Sabe-se agora que o filho de Manuel morreu. Tinha 22 anos.

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Entrámos em Nodeirinho no domingo. O fogo ainda consumia tudo o que lhe aparecia à frente, por lá já tinha passado. Para trás deixou um rasto de destruição imenso. À entrada, um elemento da GNR, um pouco mais à frente outro, do lado esquerdo outro, e outro, e outro e outro… Aos seus pés estavam cadáveres cobertos com um pano branco ou azul. A imagem do terror deixou de ter som. Ganhou o silêncio.

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Cacilda, de 75 anos, apressa-se a vir ao nosso encontro. À entrada da aldeia de Nodeirinho, de cajado e óculos amarelos, conta com ar cansado, acelerado mas de lágrimas nos olhos que “um menino de dois anos morreu ali em cima e outra menina de quatro e a avó morreram naquela estrada”. Esteve a combater o fogo a noite toda. Recusou-se a abandonar a sua casa. “Aqui tenho a minha vida toda. Ia para onde? Se tivesse fugido tinha morrido.” É provável.

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Depois desta frase, pára e cala-se. Olha para a casa do vizinho, que tinha ficado completamente destruída e que é paredes meias com a sua. Passados alguns segundos e com um olhar vazio, desabafa: “Estou sem forças”.
A mulher recusava-se a aceitar o cenário que ali estava à vista de todos.

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Alzira, de 76 anos, tem muitas pessoas que dependem de si, dos seus cuidados e preocupação. Viveu naquele momento o pior da sua vida. Entrámos, de mãos dadas, em sua casa. Começou a chorar mal pisou a telha, cor de barro, que se desfez. “Aqui era o quatro do meu Álvaro e meu. Aqui a cozinha. Aqui tínhamos umas galinhas e aqui era a arrecadação. Aqui estava o carro.” Continuámos de mãos dadas, que já transpiravam, e a cada novo passo dado apertava-me mais.

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O marido tentou salvar a casa. Em vão. Foi de arrasto umas centenas de metros porque “não se aguenta nas pernas e não consegue correr”. A distância até às restantes casas é assustadoramente grande para uma pessoa ir de arrasto, debaixo de fogo. Está hospitalizado e a única coisa que pede à mulher é para voltarem para casa. “Álvaro, nós não temos casa.”

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A aldeia estava cercada. Muitos pensavam que o pior já tinha passado. O fogo deu a volta e ameaçava de novo aquele aglomerado de casas e armazéns.

— Água, caralho.

— Não há água, não tem força.

— E agora?.

— Pai, sai daí, vamos embora!

— Não vou sair.

E não saiu, salvou a casa. Os bombeiros corriam. A água não chegava. As mangueiras curtas. Vinha outro tanque, outro e outro. “Mais, foda-se! Vamos todos morrer!”

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Apressaram-se a desenrolar as mangueiras com a ajuda da população e jornalistas. O inferno passou. Algumas casas não resistiram, ou a ajuda não chegou a tempo.

Às cinco da manhã há bombeiros sentados no chão, encostados aos pneus enormes dos tanques, a população está cansada mas grata. Chegam duas carrinhas brancas, com elas comida e águas. Manuel só pediu uma coisa. “Arranja-me, por favor, uma água para a minha mulher, está cansada. Eu não preciso.”

O tempo dos bombeiros descansarem foi curto. Através dos rádios vinha a informação de outra frente que se aproximava de outra aldeia.

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