Reportagem em Londres, Reino Unido

O Reino Unido votou 52% contra 48%, há um ano, para tirar o país da União Europeia (UE). Com uma votação tão renhida, nas semanas e meses seguintes houve quem pedisse, quase de imediato, um segundo referendo, usando até o argumento de que muitos dos votantes no Leave já se tinham arrependido. Mas os meses passaram, o Parlamento não se opôs à entrega dos papéis do divórcio, e, na véspera de novas eleições legislativas, o eleitorado divide-se, agora, em três campos: aqueles que querem sair da UE, aqueles que ainda acreditam que é possível voltar atrás e os chamados Re-Leavers, que votaram para ficar mas, agora, defendem que o Governo, seja ele qual for, deve seguir em frente com o Brexit. Falámos com alguns deles em Londres.

Foi a empresa de sondagens YouGov que, há algumas semanas, defendeu que quem tentar antecipar o resultado das eleições legislativas desta quinta-feira deve “esquecer os 52%. A ascensão dos re-leavers significa que o eleitorado pró-Brexit é, agora, de 68%”. Por outras palavras, dois em cada três eleitores querem que se saia da União Europeia, o que pode ajudar a perceber porque é que Theresa May — a candidata conservadora que diz querer o Brexit a todo o custo — demonstrava na altura uma vantagem tão robusta nas sondagens (vantagem essa que, segundo as mesmas sondagens, agora se esfumou, mas por outras razões).

Ao contrário de algumas interpretações que foram feitas da análise do YouGov, os re-leavers não são pessoas que votaram para ficar na UE mas, agora, acham que o Reino Unido tem um futuro melhor se estiver fora do bloco de países. Não são conhecidos muitos casos de pessoas que mudaram de ideias desta forma — querer ficar e, depois, querer sair — além, claro, da própria primeira-ministra Theresa May.

Os ziguezagues de Theresa May

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O que os re-leavers defendem é que se deve respeitar o resultado do referendo e, agora, a prioridade deve ser obter as melhores condições na negociação com os outros países europeus. “Inverter o Brexit? Já não se trata disso, o que está feito, está feito e só queremos que tudo termine o mais rapidamente possível. E não vale a pena falar em segundos referendos. O que importa agora é o que é que o país precisa, daqui para a frente”, diz Phil, que votou no Partido Conservador em 2015 mas que agora vota Corbyn porque, diz, “precisamos de uma mudança”.

Phil vai votar no Partido Trabalhista mesmo sem ter uma noção exata, reconhece, de como Jeremy Corbyn tenciona prosseguir com o Brexit. Para o jovem londrino, que fuma um cigarro à frente de um edifício de escritórios em Holborn, a questão mais importante é a abertura do Reino Unido às pessoas de outros países. “Sou completamente a favor da imigração, eles é que prestam quase todos os serviços aqui, 90% dos meus amigos são imigrantes”, diz Phil, que acredita que “Corbyn é mais relaxado nesse aspeto, ao passo que Theresa May só parece que quer correr com toda a gente daqui para fora”.

Phil votou no Partido Conservador em 2015 mas diz que, agora, vota nos trabalhistas e em Jeremy Corbyn

A expressão re-leaver é, também, um trocadilho com relief, que significa “alívio” — algumas destas pessoas já estão saturadas de tanto ouvir falar na saída da União Europeia. E, tal como teriam gostado que a sua vontade de ficar fosse respeitada, caso esse tivesse sido o resultado, não faz sentido desrespeitar o voto que existiu.

É assim que pensa William, cinquentão que preenche os quadradinhos do sudoku de um jornal, sentado numa esplanada à beira do rio Tamisa, perto de Embankment. “Se acreditarmos que temos uma democracia funcional, tendo havido uma maioria de pessoas que votou para sair, numa sociedade democrática não temos alternativa que não seguir em frente. Essa é a única opção”, defende William.

Pouco familiarizado com a expressão re-leaver, William, que também vota Labour nas eleições desta quinta-feira, diz que não sabe se encaixa no perfil descrito pela YouGov. “Continuo a achar que seria melhor a permanência. Se houvesse um segundo referendo voltaria a votar de ficar, mas tendo ativado o artigo 50, pelo que sei da legislação europeia não há voltar a dar-lhe”.

“A minha esperança”, acrescenta o londrino, é que, “quando nós sairmos, a Comissão Europeia possa aproveitar para olhar para si mesma e perceber que tem de se reformar. Aí nós poderemos pensar, um dia, em voltar para a União Europeia“. É esta a expectativa de William que, contudo, nos diz que não sabe se ainda estará vivo quando isso acontecer. Talvez as pessoas venham a mudar de ideias, conforme correrem os próximos anos, diz o londrino, defendendo que “muitas pessoas que votaram para sair fizeram-no pelas razões erradas, para mostrar insatisfação com David Cameron — já estarão arrependidas, muitas, acredito eu”.

A poucos metros, encontramos um desses “arrependidos”, Tom French, que se considera mais do que um “arrependido” — “Fui enganado“, diz.

Tom diz-se “enganado” e arrependido por ter votado pela saída da UE. Mas vai votar em Theresa May porque Corbyn não lhe “diz nada”

Tom trabalha na manutenção dos jardins de Whitehall, não muito longe de Westminster e do icónico Big Ben. Diz-nos que, doze meses depois do referendo, percebe que “fomos enganados, por exemplo no que diz respeito ao dinheiro que iria ser injetado no Serviço Nacional de Saúde“. “Venderam-nos uma história de que o Brexit iria criar muito dinheiro para o Reino Unido e para a saúde, mas logo na manhã após o referendo disseram que não era bem assim”, lamenta Tom. Foi um “conto de fadas” e “não pensámos bem nas consequências de votar Leave no referendo”.

Se tivesse uma segunda oportunidade para votar, mudaria para o Remain, para ficar na União Europeia. “Mas não vejo grande hipótese de voltar para trás, já estamos in too deep, demasiado avançados no processo, para poder voltar atrás”, diz Tom, que recusa votar nos Liberais Democratas, apesar de serem os únicos a defender, com clareza, um segundo referendo. “Defendem outras políticas das quais eu não gosto”, explica.

Os trabalhistas de Corbyn dizem querer a saída mas garantem que põem “a economia e os padrões de vida em primeiro lugar” — “seja lá o que isso significa”, diz Tom. O londrino, originário do norte de Inglaterra, vai votar em Theresa May e nos conservadores. Porque não em Corbyn? “Não gosto dele, não é uma pessoa que me diga o que quer que seja”.

Tom sente indiferença em relação a Corbyn. Kevin, mais velho, sente repulsa.

Kevin diz que os trabalhistas querem “levar o país à bancarrota” e já votou, por correio, em May

“O problema do Labour é que faz todas estas promessas porque acham que é o que as pessoas querem ouvir. Mas não fazem ideia de como vão pagar tudo o que prometem fazer, vão levar o país à bancarrota“, afirma o sexagenário que já votou, por correio, em Theresa May.

Ao contrário de Tom, que se arrependeu de votar no Leave, Kevin votou nos conservadores porque acredita que eles, sim, vão levar o Brexit em diante. “Os trabalhistas só vão desmanchar tudo, mesmo que saiam da União Europeia vão sair com tantas cedências que vai ser o mesmo, ou pior, do que ficar”, afirma Kevin, sem ponta de hesitação no seu discurso. O londrino também não hesita quando lhe perguntamos “o que é um bom acordo com a UE?” — “Basta sair. Nem é preciso acordos comerciais, nós safamo-nos bem sozinhos, nos anos 70 não havia União Europeia e não tínhamos quaisquer problemas”.

Além disso, Kevin votou May porque dá muita importância à questão da segurança. E confia que May fará um bom trabalho na segurança? “Melhor do que Corbyn, certamente”.

Afinal de contas, podemos confiar nas sondagens no Reino Unido?