Se quisermos pensar em alguém rodeado por pessoas que o detestam, as imagens que saltam à cabeça são várias. Um capitalista de cartola a espalhar a fumarada do seu charuto para cima de operários durante um discurso de Lenine. Um argentino a saltar de alegria num pub inglês depois de Maradona marcar com a mão a Inglaterra, em 1986. Ou, depois do fracasso das sondagens em 2015, um profissional daquela indústria dizer, no Reino Unido, que a vitória de Theresa May esta quinta-feira é um “dado adquirido”.

Trata-se de Martin Boon, da empresa de sondagens ICM, que falou ao The Guardian a 18 de abril deste ano. “Eu acho que o resultado vai ser um dado adquirido”, disse. “A vantagem de 18 a 20 pontos de Theresa May é a maior de sempre para um primeiro-ministro que convocou eleições antecipadas. Eu acho que é preciso recuar até aos tempos de Tony Blair para ver uma vantagem semelhante.”

Agora, é possível que essa previsão seja mais precipitada do que acertada. Para chegar a essa possibilidade, basta, precisamente, olhar para as sondagens. Tendo em conta apenas aquelas que foram divulgadas entre a última semana de maio e a data de publicação deste texto, é verdade que o Partido Trabalhista, de Jeremy Corbyn, aparece sempre atrás do Partido Conservador, de Theresa May. Porém, essa desvantagem oscila entre o 1% e os 12%. Com alguma surpresa pelo caminho, contando com a ajuda da proverbial margem de erro, será possível ver Jeremy Corbyn a tomar posse no dia 9 de maio?

Em 1992, as sondagens e as projeções na noite eleitoral davam a derrota do conservador John Major. No final de contas, teve maioria absoluta

Se há país onde as sondagens não têm uma tradição de acertar nos resultados eleitorais, o Reino Unido é esse país. Verdade seja dita, e recorrendo apenas a exemplos mais recentes, os estudos de opinião estiveram corretos nas suas previsões para as eleições de 1997, 2001, 2005 e 2010. Porém, os fracassos de 1992, de 2015 e do Brexit são ainda difíceis de esquecer.

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No primeiro caso, as sondagens previam resultados muito renhidos, com os trabalhistas ligeiramente à frente, mas sem maioria. As sondagens à boca da urna confirmavam esse cenário. No final de contas, o conservador John Major ganhou e conquistou a quarta vitória eleitoral seguida para o seu partido, depois do tri de Margaret Thatcher. Na altura, a Reuters escreveu o seguinte, com um indisfarçável tom jocoso:

“Os especialistas das sondagens, com ovos a pingarem das suas caras na sexta-feira depois de fracassarem na previsão de uma vitória do Partido Conservador, puseram as culpas da surpresa numa mudança de última hora da opinião dos eleitores”.

Em 2015, o cenário previsto era semelhante àquele que não chegou a concretizar-se em 1992. O parlamento iria ficar suspenso, à espera de um acordo entre partidos para chegar a uma solução de Governo — tudo isto porque os conservadores, apesar de vencerem, estariam muito longe da maioria absoluta. Chegou a falar-se de uma “geringonça” à britânica, com os trabalhistas e os independentistas escoceses. Mas, no final, os conservadores de David Cameron ganharam — e com a maioria absoluta que não conseguiram em 2010. Quando saíram as primeiras projeções da BBC na noite de 7 de maio de 2015 — a única sondagem correta daquelas eleições —, muitos foram os queixos que bateram nas mesas.

Na noite do referendo do Brexit, as projeções davam a vitória do “Remain”. No dia seguinte, o “Leave” era declarado vencedor

Enfim, o Brexit. Com algumas exceções, a maior parte das sondagens apontavam para a permanência do Reino Unido na União Europeia. Na véspera do referendo, um estudo de opinião chegava a dar uma vantagem de 10% para o “Remain”. E foi também para essa hipótese que apontaram as projeções na noite da votação. Porém, no dia seguinte, já de manhã, a informação era outra: o “Leave” ganhara e o Reino Unido passou deste então a estar na calha para sair da União Europeia.

Os problemas crónicos das sondagens: tories tímidos, trabalhistas jovens e os 650 círculos

Tanto no fracasso de 1992 como no de 2015, as autópsias das empresas de sondagens apontaram em grande parte um erro: a subrepresentação do eleitorado conservador nas amostras, que acabou por levar a uma subrepresentação da sua intenção de voto nas sondagens. Em resumo, é uma falha da amostra, que peca por não demonstrar aquilo que coloquialmente se designa como shy tory. Traduzível para “conservador tímido”, este termo diz respeito aos eleitores do Partido Conservador que tradicionalmente são mais renitentes quando chamados a participar em sondagens do que os trabalhista.

Olhando para as últimas nove eleições, desde 1979, as sondagens erraram numa média de 4,4% na diferença de votos entre Partido Trabalhista e Partido Conservador. E, nessas nove ocasiões, só em 1983 é que as sondagens previram um resultado mais baixo do que aquele que o Labour acabou por ter — mesmo assim, teve um resultado catastrófico, o segundo pior da sua história. Assim, é justo dizer que as sondagens britânicas têm uma tendência para exagerar no voto para o Partido Trabalhista.

Tudo isto pode ser potenciado por um fator: a idade. Olhemos para números de 2015. Na faixa etária dos 18 aos 25 anos, a que mais votou no Labour, estima-se que a abstenção tenha sido de 57%. Na faixa etária dos 65 anos ou mais, que foi onde os tories recolheram mais votos, a abstenção foi de apenas 22%. Em 2015, bastou as empresas de sondagem ignorarem este factor para verem um parlamento em suspenso quando na verdade o que tinham à frente era uma maioria conservadora.

Depois de 2015, as empresas de sondagens tomaram todas medidas. E, sem surpresa, o fator idade passou a ter um peso diferente nos cálculos de pelo menos algumas delas. A ComRes e a ICM dão hoje mais peso à idade e à classe socio-económica do eleitorado — e estão entre as sondagens que dão uma maior vantagem a Theresa May. Já o YouGov e a Ipsos Mori preferiram ter agora mais em conta se os inquiridos têm ou não o hábito de votar — e, talvez não por coincidência, são as que mais aproximam Jeremy Corbyn de Theresa May.

Antes de ganhar as primárias no Partido Trabalhista com 59,5% dos votos, as casas de aposta davam-lhe cerca de 1% de hipóteses de vitória

Mas, por mais que mexam nas suas fórmulas, as sondagens britânicas dificilmente ultrapassarão aquilo que é uma dor de cabeça para qualquer pessoa que trabalhe naquela indústria: o sistema dos círculos uninominais. No Reino Unido, as eleições funcionam no sistema que, na gíria, é conhecido como first past the post. Ao todo, o país é dividido em 650 círculos eleitorais, que vão eleger um deputado cada um. Nestes, apenas o primeiro classificado vence. Assim, pouco importa que tenha 50,1% ou 90% — basta ganhar por um voto para ficar com tudo.

O resultado prático desta realidade pode ser ilustrado com o caso das eleições de 2015, onde o Partido Conservador conseguiu 36,9%, o Partido Trabalhista se ficou pelos 30,4% e, já agora, o UKIP com 12,6%. No entanto, as contas ficam bem mais desequilibradas no que diz respeito ao número de deputados — que é o que verdadeiramente conta num sistema parlamentar. Ao todo, o Partido Conservador ficou com 330 deputados (50,7% da câmara), o Partido Trabalhista desceu para 232 (35,7%) e o UKIP, apesar de ter tido mais de um décimo dos votos, conquistou apenas um deputado, já que ganhou apenas num círculo eleitoral. Ou seja, com 12,6% dos votos, passou a ter uma representação de 0,15% da Câmara dos Comuns.

Os números não enganam: os enganos são numerosos. Por isso, é sempre cedo para falar de dados adquiridos.