Conforme já se previa, a nova lei da cópia privada acabou mesmo por ser aprovada. Sobre os consumidores incidirá agora uma nova taxa sobre equipamentos que poderá ir até aos 20 euros, ficando as verbas resultantes da cobrança da taxa sob gestão da AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada.

Por várias razões já antecipadas, a aprovação não constitui surpresa, mas não é demais chamar mais uma vez a atenção para os seus malefícios e para a lógica perversa que conduziu à sua aprovação. Jorge Barreto Xavier, com um trajecto profissional intimamente ligado aos meios que mais pressionaram a favor da lei, confirma uma significativa vitória pessoal. De facto, se é verdade que a força e influência política dos interesses beneficiados pela nova lei da cópia privada muito contribui para este desfecho, não é menos verdade que os antecessores de Jorge Barreto Xavier haviam falhado onde o actual secretário de Estado da Cultura triunfou. Conseguir fazer aprovar um agravamento fiscal injustificado em contexto de austeridade, sem qualquer benefício para o Estado e em claro prejuízo dos interesses eleitorais do PSD e do CDS é um feito político que merece ser assinalado. Jorge Barreto Xavier prometeu e cumpriu. Os principais beneficiários das rendas propiciadas pela nova lei não deixarão certamente de lhe estar devidamente agradecidos.

É particularmente sintomático – e lamentável – que não tenha havido um único deputado do PSD a votar contra a verdadeira aberração económica e jurídica que é a nova lei da cópia privada. Se do lado do CDS o apoio foi largamente maioritário, é ainda assim de salientar que houve dois deputados a votar, em coerência, contra a nova lei: João Rebelo e Michael Seufert. Este último, depois de ter tentado ao longo de todo o processo legislativo minorar os danos à economia e cultura em Portugal provocados pela nova lei, elaborou uma declaração de voto justificando o seu voto contra cuja leitura se recomenda.

Nessa declaração, Seufert sintetiza bem o que está em causa com a nova lei da cópia privada: “A noção de que um autor ou artista incorre num prejuízo por se poderem fazer cópias para fim pessoal (é disso que falamos) está completamente desligada da realidade do usufruto das obras culturais. Quem hoje compra um CD de música, por exemplo, dá mais uso a uma cópia que possa fazer para o seu leitor portátil ou para o computador do que do CD propriamente dito. É fácil de perceber – pelo menos por quem não vai receber 15 milhões de euros – que sem a possibilidade de fazer cópias a indústria discográfica venderia menos e não mais pelo que se está a transferir dinheiro dos portugueses para os bolsos das entidades de gestão de direitos por existir um direito à cópia que já os faz lucrar mais do seu importante trabalho. Ao mesmo tempo quem já compra obras no crescente mercado digital precisa mesmo dum dispositivo com memória para usufruir da obra – pagando portanto duas vezes como António Vitorino reconheceu no seu relatório: uma ao comprar, outra ao gravar a obra. Esta lei significa portanto o literal enriquecimento ilegítimo das entidades colectivas de gestão.”

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Alguns observadores poderão estranhar a razão de tanta contestação em torno de um agravamento fiscal de “apenas” 15 a 20 milhões de euros por ano, mas a importância da nova lei não se resume aos montantes que serão cobrados e às rendas que serão distribuídas. Além da questão de princípio, a nova lei da cópia privada é relevante por se tratar de um caso exemplar de proveitos rentistas gerados e assegurados politicamente. Compreender a nova lei da cópia privada é compreender um exemplo em estado quase puro das múltiplas iniciativas rentistas bem sucedidas, com apoios estrategicamente transversais no sistema partidário, que minam todos os dias tanto o funcionamento do Estado como o do mercado em Portugal. Promover o desenvolvimento em Portugal passa muito mais por limitar e eliminar as rendas de grupos de pressão politicamente influentes do que pela proliferação de iniciativas bem intencionadas sobre “empreendedorismo”, “clusters estratégicos” ou “novos paradigmas”.

Para terminar, nada melhor do que citar Maria João Nogueira, uma das mais lúcidas e qualificadas oponentes da nova lei, reproduzindo cinco questões centrais colocadas pelos peticionários contra a nova lei da cópia privada que ficaram por responder:

“1 – Onde se encontra a demonstração de que há um prejuízo pela prática da cópia privada?

2 – Qual o valor calculado desse prejuízo, e qual o modelo de cálculo utilizado.

3 – Sendo os discos DVD e Blue Ray, que estão sujeitos a “medidas eficazes tecnológicas”, vulgo DRM, os principais candidatos à cópia privada (uma vez que o consumo de CDs está em franco declínio e os únicos ficheiros que ocupam espaço relevante em armazenamento são os vídeos), que garantias dá a 1ª Comissão e o PL246/XII aos cidadãos, de que poderão efectuar cópias privadas a partir desses suportes e de que não serão condenados por violação da Lei 50/2004 que proíbe e penaliza com até 2 anos de prisão a eliminação das referidas medidas eficazes? A Lei 50/2004 impede ou não as cópias privadas que o PL246/XII pretende taxar?

4 – Que análise foi feita dos desenvolvimentos recentes em Espanha, Finlândia e Reino Unido, em que os dois primeiros países revogaram as taxas sobre dispositivos de armazenamento e o terceiro concluiu que as mesmas não são necessárias? A que conclusões se chegou?

5 – Como se irá resolver o problema da dupla taxação para a compra de conteúdos online que já inclua no preço base o direito a uma ou mais cópias privadas?”

Resta esperar, ainda que com expectativa bastante moderada, que um próximo Governo possa dignar-se responder.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa