“As finanças são uma arma. Política é saber quando puxar o gatilho”
Don Lucchesi, O Padrinho III

A principal actividade dos bancos é emprestar dinheiro, transformando passivos líquidos (depósitos bancários) em activos ilíquidos (empréstimos). A utilidade dos bancos, canalizar poupanças para créditos, é também a sua fragilidade. No momento em que a confiança se esvai, não há banco que resista a um pânico dos depositantes. Daí a resposta à pergunta que muita gente faz: por que raio são os contribuintes chamados a salvar bancos? São chamados para garantir a confiança de que o resto do sistema bancário precisa para continuar a operar. Até aqui, tudo simples e lógico. A partir daqui, percebo muito pouco.

Começo por não perceber porque se demorou tanto tempo a forçar uma solução para o BANIF. Quando um banco está em dificuldades, com a desconfiança gerada, só pode piorar. Que o tempo é dinheiro é um aforismo particularmente acertado. É bom que Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque não se tenham retirado da política. Vamos querer e poder ouvir as suas explicações. Também não entendo a passividade do regulador. Que eu saiba, entre as competências do Banco de Portugal não consta a gestão do ciclo eleitoral. Talvez o Departamento de Estudos do Banco de Portugal nos possa dar uma estimativa de quantas centenas de milhões de Euros custou esta demora.

A disparatada notícia da TVI só podia causar o que causou, uma corrida ao BANIF, com prejuízos de centenas de milhões de euros. Uma fuga de informação com esta gravidade tem de ser investigada. Quem ganhou com esta precipitação? Quem plantou a notícia, muito provavelmente, não queria que o banco chegasse a 2016. Isto porque, a partir de 1 de Janeiro de 2016, um novo quadro regulatório, mais favorável aos contribuintes, vai entrar em vigor. Nesse novo quadro, o Estado está impedido de pôr dinheiro no banco, antes de sacrificar depósitos superiores a 100.000€ e dívida sénior.

Uma resolução feita no próximo ano, no âmbito da união bancária, toda a banca europeia poderia ser chamada a cobrir os prejuízos do BANIF. Mas, claro, todo o processo seria liderado pelo BCE, ou seja, e teríamos aquilo que Horta Osório, presidente do colosso britânico Lloyds Banking Group, gostaria que tivéssemos: um “apuramento claríssimo das responsabilidades”. Para evitar esta transparência, seremos nós a suportar todo o custo, quando estávamos a 15 dias de poder usufruir da solidariedade europeia.

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O governo português, que tão indignado fica por receber apenas 10 milhões de euros por uma empresa falida como a TAP, paga ao Santander 2.000 milhões para ficar com o BANIF. Mais valia nacionalizar o que falta e recapitalizar o banco. Ao menos este negócio fantástico seria para nós, em vez de ficar para o Santander, que, recorde-se, foi o banco que mais inflexível se mostrou com o Estado português no escândalo dos swaps. Roma sempre paga aos traidores.

Também não consigo perceber como um banco da (pequena) dimensão do BANIF precisa de tanto dinheiro público, nem percebo como é que o interesse nacional fica defendido com a solução encontrada. O Estado apenas está obrigado a uma garantia de 100.000€. 100.000€ de garantia é mais do que suficiente para assegurar a estabilidade do sector bancário. Alguém que distribua depósitos de 100.000€ por 10 bancos diferentes, facilmente consegue ficar com um milhão de euros protegidos por garantia do Estado. E abrindo contas em nome do marido, filhos e outros familiares, facilmente protege vários milhões de euros com o Fundo de Garantia de Depósitos. Ou seja, a opção de salvar depósitos superiores a 100.000€ é uma escolha política. O governo português resguardar-se atrás do interesse nacional é pura cobardia. Simplesmente, e mais uma vez, sacrificou o interesse geral ao interesse de alguns.

Todos percebemos de onde vem o dinheiro. Falta saber para onde vai. Para já, sabemos que Alberto João Jardim ficou muito contente com a solução e que Passos Coelho pensa que Costa encontrou uma solução muito inteligente. Bastou um problema com mais um banco do regime para o bloco de interesses emergir em todo o seu esplendor.

Resumindo. Quem beneficiou com a morte do BANIF em 2015? Beneficiaram os detentores de depósitos superiores a 100.000€ e os detentores de dívida sénior, que ficaram salvaguardados. Beneficiou o bloco central de interesses, porque conseguiu evitar que o BCE viesse ao BANIF fazer uma auditoria profunda aos seus negócios. Quem perdeu? Os portugueses.