Uma vez, em conversa com um amigo, perguntei-lhe como tinha sido possível termos tido um primeiro-ministro como José Sócrates. A resposta foi surpreendente: Santana Lopes. Foi ao ver uma pessoa sem quaisquer qualificações para o cargo chegar a primeiro-ministro que José Sócrates se terá convencido de que também poderia lá chegar. É evidente que esta explicação é um exagero, Sócrates não precisa de empurrões para se considerar o maior, mas a verdade é que ilustra bem o principal legado de Jorge Sampaio.

Até Sampaio dar posse a Santana Lopes, Portugal tinha um historial de primeiros-ministros com dimensão política e/ou profissional fora do vulgar. Mário Soares, que tinha uma visão para Portugal e se movimentava como ninguém pela política europeia e mundial, Sá Carneiro, que não teve tempo para deixar obra, mas cuja dimensão política é universalmente reconhecida, Pinto Balsemão, grande empresário, Cavaco Silva, professor catedrático de Economia, Mota Pinto, distinto professor de Direito, entre alguns outros, como Maria de Lourdes Pintasilgo ou Freitas do Amaral. Imediatamente antes de Santana Lopes, tínhamos tido Durão Barroso, que sairia para liderar a Comissão Europeia, e António Guterres, que hoje é secretário-geral da ONU. Ou seja, concorde-se ou não, goste-se deles ou não – e eu não aprecio a maioria dos nomes que referi –, a verdade é que todos, antes ou depois, provaram ter dimensão política para o cargo.

Foi com o XVI Governo Constitucional de Portugal, liderado por Santana Lopes, que tivemos, pela primeira vez na nossa história democrática, um primeiro-ministro que não lembraria ao Diabo. Pode-se argumentar que Jorge Sampaio não teve outra alternativa, afinal Santana Lopes era o chefe de governo indicado pela maioria na Assembleia da República. Mas esse argumento é falso. Se cinco meses depois Sampaio pôde convocar novas eleições, porque estava farto “do” Santana, então muito mais legitimidade política e constitucional para o fazer tinha aquando da saída de Durão Barroso. Tivesse convocado eleições nessa altura e poucas pessoas teriam estranhado e contestado a sua legitimidade para o fazer. Mas não o fez. Preferiu provocar uma crise no Partido Socialista, que acabaria por eleger José Sócrates como secretário-geral. Logo que a nova liderança ficou consolidada, Sampaio fartou-se “do” Santana Lopes e convocou eleições, sem qualquer justificação plausível, abrindo caminho à maioria absoluta de Sócrates.

Os Presidentes da República em Portugal têm poucos poderes. O principal que têm é o de convocar eleições antecipadas. Pelo péssimo uso que fez desse poder, ao não o usar quando devia e ao usá-lo sem justificação cinco meses depois, Sampaio deu-nos os dois piores primeiros-ministros desde 1976. O primeiro, Santana Lopes, não teve tempo suficiente para causar grandes estragos. O principal prejuízo foi mesmo o de abrir caminho a José Sócrates. Deste quase nem vale a pena falar. Além da sua política económica desastrosa, que lhe deu a vitória nas legislativas de 2009 à custa do agravamento da crise que Portugal enfrentava, os danos que causou à nossa democracia são difíceis de calcular. Demorará até que os portugueses voltem a ter confiança nas instituições. Hoje Portugal seria um país melhor se não tivesse votado em Sampaio, ou, pelo menos, se não o tivesse reeleito.

Mea culpa: votei em Sampaio das duas vezes.

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